Erguer a voz para salvar o Darfur
ONG’s apresentam Campanha para que o genocídio na região sudanesa não seja esquecido pela comunidade internacional.
O genocídio contra a população negra da região sudanesa do Darfur levou uma plataforma de ONG’s nacionais a apresentar esta Terça-feira, em Lisboa, a primeira campanha portuguesa por esta causa. O mote destas organizações, apresentado em conferência de imprensa no Clube de Jornalistas, é claro: “O silêncio mata, mas a tua voz salva”.
A intenção é “semear a esperança”, procurando dar a conhecer o conflito, acelerar a colocação de forças de paz no terreno e promover uma petição de urgência pelo Darfur. Esta petição, dirigida à presidência portuguesa da UE, exige que o drama humano nesta região seja “assumido como prioridade na agenda da Cimeira Europa-África”, a realizar este ano no nosso país. Os signatários pedem ainda um acordo global para a paz e o fim da impunidade dos responsáveis “pelos crimes de guerra e pelos crimes contra a humanidade no Darfur”.
Perante a maior crise humana da actualidade, várias iniciativas serão promovidas no nosso país para que a indiferença não prolongue o sofrimento destas populações, numa região seis vezes maior do que a França. Assassinatos, violações e tortura marcam o dia-a-dia dos Fur, tribo sedentária dominante no sudoeste sudanês.
Tropas de Cartum, voluntários da Líbia e do Irão foram mobilizados em 2003 para o Darfur (em árabe, “terra dos Fur”), dando início ao massacre. As povoações estão completamente desertas, com as populações a amontoarem-se nos acampamentos, onde trabalham cerca de 14 mil voluntários de organizações internacionais.
Apesar da protecção da ONU estes acampamentos são atacados pelos mercenários árabes ao serviço do governo sudanês, os Janjaweed. Registam-se constantemente casos de assassinatos e violações: no Clube de Jornalistas, local onde decorreu a conferência de imprensa, era possível ver o desenho de uma criança do Darfur, que mostrava mulheres em fuga, violações e o camelo dos “guerreiros do Islão”, que perseguem a população negra.
Em apenas cinco anos, morreram ali, vítimas da guerra, da fome ou da doença pelo menos 200 mil pessoas – os piores prognósticos apontam para cerca de meio milhão de pessoas. Calcula-se que pelo menos 2,3 milhões tenham sido obrigadas a deixar as suas casas e a procurar refúgio em campos onde estão totalmente dependentes das Nações Unidas e organizações humanitárias. Todos os dias morrem pessoas, a maior parte das quais crianças. O conflito internacionalizou-se, passou as fronteiras do Sudão, para o Chade e República Centro-Africana (RCA), onde as populações negras do Darfur procuravam fugir ao conflito.
A campanha por Darfur (www.pordargur.org) é organizada pela recém-criada “Plataforma por África” dinamizada pelos Missionários Combonianos, a Amnistia Internacional, a Africa-Europe Faith and Justice Network, a Fundação Gonçalo da Silveira e a Comissão Justiça e Paz dos Religiosos, com a participação da Comissão Nacional Justiça e Paz.
Zinat Abdu, de 3 anos, diz que a casa onde vive agora é muito pobre comparada com aquela em que viva em Bulbul e que no campo de refugiados de Kalma não tem ovelhas nem cabras para guardar e brincar… nem leite. O testemunho foi recolhido pelo Pe. Feliz da Costa, único missionário português no Darfur. O Pe. José Vieira, missionário Comboniano, jornalista e director de informação de uma cadeia de rádios no Sudão, denuncia o projecto de “arabizar” a região, violando “sistematicamente os Direitos Humanos das populações do Darfur. O religioso, que tem permanecido em permanente ligação com os portugueses no terreno, considera os campos de refugiados como verdadeiros “campos de concentração”, onde falta água e lenha. “O governo sudanês é perito em arranjar acordos e arranjar maneira de os repudiar, em seguida, são especialistas em dizer e desdizer”, aponta. Por isso, saúda a resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas que estabelece uma força híbrida de paz ONU/União Africana. Por outro lado, indica que o problema não é apenas militar, exigindo uma “solução política”. A campanha agora lançada, assinala o Pe. José Vieira, deve ajudar a que a comunidade internacional “mantenha uma pressão forte” sobre o governo do Sudão. “O que se passa no Darfur diz respeito a todos, nesta era da globalização, e o grito dos desenhos das crianças tem de encontrar eco de nós”, concluiu.
A Ir. Natália Gomes, missionária Comboniana que passou 12 anos no Sudão, acompanhou de perto as situações das pessoas deslocadas por força dos conflitos armados. Conhece de perto os dramas humanos com que se debatem os refugiados. Em 1990 esteve com os refugiados junto da fronteira com a RCA, confessando que “a tragédia de deixar tudo” marca profundamente as pessoas que são obrigadas a partir. A fome, a falta de medicamentos, as doenças são presença constante na solidão dos campos de refugiados. Esta religiosa lembrou que Sudão significa, em árabe, “negro”, mas hoje os africanos são perseguidos em “todo o país”.
Victor Nogueira, comentador da RDP África para os Direitos Humanos e membro da Amnistia Internacional, criticou a “hipocrisia da Liga Árabe” que se tem oposto a todos os esforços para levar a cabo alguma intervenção internacional, bem como os “interesses económicos” que se sobrepõem aos interesses da população, como no caso da China e de petrolíferas norte-americanas.
A campanha conta com o apoio da MissãoPress (associação da imprensa missionária), da TESE (projectos de apoio ao desenvolvimento), da Cáritas Portuguesa (ajuda de emergência), estando aberta à participação de toda a sociedade civil portuguesa. Filipe Pedrosa, secretário da Campanha por Darfur, lamentou a “pouca sensibilidade” que existe no nosso país para esta questão, apesar das iniciativas já realizadas e a realizar pela Amnistia Internacional e a MissãoPress. O primeiro objectivo da campanha passa, por isso, por “sensibilizar a sociedade portuguesa”.
Em Setembro, quando a ONU reunir para definir a operacionalização das forças de paz (resolução 1769 do Conselho de Segurança), estão a ser organizadas uma série de iniciativas, no dia 16, a nível internacional.