A Cáritas no pontificado de Bento XVI
Reconhecido como um homem racionalista e muitas vezes apontado por ser excessivamente dogmático e até mesmo intransigente no cumprimento de normas, surpreende de forma particular ao evidenciar na sua primeira carta encíclica a importância incontornável do amor para a realização plena de cada ser humano e para a autenticidade das comunidades cristãs. Com esta opção marcou o itinerário fundamental do seu pontificado. Deus Caritas Est é uma carta breve mas de grande profundidade de pensamento. Bento XVI conjuga, neste documento, aspetos filosóficos com aspetos operativos e não se “esquivou” às diferentes dimensões do amor humano (DCE, 3).
No primeiro capítulo e para que o ágape não fique apenas ao nível da teoria, o Papa assume aspetos tão objetivos como a afirmação de que a Caridade necessita de ser organizada e de ter competências profissionais, mas sem descuidar a importância da “formação do coração”, porque Deus habita o coração dos homens. (DCE, 31-a)
Apesar disto, e no meu entender, mais do que a Deus Caritas Est, é a encíclica Caritas in Veritate que fica como um tesouro que Bento XVI deixa não apenas à Igreja mas à Humanidade. Neste documento o Santo Padre deixa uma nova visão sobre o amor que é aplicado ao homem concreto deste tempo e como fator determinante para a transformação da atual civilização.
Neste texto, o “amor” passa da esfera pessoal/humana/eclesial para a dimensão, ainda pouco penetrada, da economia, do social, da política, da cultura e do ambiente. Para percebermos a importância desta encíclica no atual contexto, deixo a referência ao número 48: “…os projetos para um desenvolvimento integral não podem integrar os vindouros, mas devem ser animados pela solidariedade e a justiça entre as gerações, tendo em conta os diversos âmbitos: ecológico, jurídico, económico, político, cultural”.
Nas inúmeras intervenções, homilias e discursos só raramente o tema “caridade” não esteve presente. Sublinho nomeadamente a mensagem que deixou aos participantes da última Assembleia Geral da Caritas Internationalis em que afirmou que a identidade eclesial da Cáritas é “estar no coração da Igreja, ser capaz, de certa forma, de falar e agir em seu nome, a favor do bem comum, comporta particulares responsabilidades dentro da vida cristã, tanto pessoal como comunitária”, acrescentando que “a Igreja chega a milhões de homens e mulheres, tornando possível que reconheçam e percebam o amor de Deus, que está sempre perto de toda pessoa necessitada” e que lhe compete “favorecer a comunhão entre a Igreja universal e as Igrejas particulares, bem como a comunhão entre todos os fiéis no exercício da caridade”.
Bento XVI não quis finalizar o seu mandato sem deixar orientações normativas com a publicação da carta apostólica sob a forma de motu próprio Intima Ecclesiae Natura sobre o serviço da caridade, segundo a qual as comunidades se devem organizar para tornar mais eficiente o testemunho da caridade, nomeadamente, que o “Bispo favoreça, em cada paróquia da sua circunscrição, a criação de um serviço de «Cáritas» paroquial ou análogo, que promova também uma acção pedagógica no âmbito de toda a comunidade educando para o espírito de partilha e de caridade autêntica”.
Desejo muito que, como noutras áreas da ação pastoral, se procure a fidelidade à missão do Sucessor de Pedro. Só assim a Igreja conseguirá ser timoneira no caminho em direcção à viragem civilizacional que o mundo reclama.
(texto de Eugénio Fonseca, publicado na Agência Ecclesia)