Jornada de Reflexão sobre Prostituição
Conclusões – Jornada Interdiocesana de Reflexão sobre a Prostituição
Durante a manhã e a tarde do dia 25 de Março de 2008, no decorrer da Jornada Interdiocesana de Reflexão sobre Prostituição, por intermédio de vários intervenientes foi descrito um mundo onde a dignidade humana é desvalorizada. Foram descritos alguns aspectos deste mundo, foram revelados alguns números, foram deixados muitos apelos e convicções, foram partilhadas alguns esforços e soluções.
“Há mulheres que vendem o seu corpo e a sua vontade”; há homens que compram prazer e corpo, pagando com dinheiro, violência e ausência de sentimentos; há pessoas que ganham com este triste negócio.
O mundo da prostituição e os números:
Das comunicações apresentadas, a miséria surge como principal causa da chegada à prostituição. Mesmo a prostituição que parece de luxo serve-se de mulheres economicamente débeis que, para se adaptarem ao mercado, parecem de classe alta.
Mas a esta causa temos de acrescentar um factor determinante, a baixa auto-estima, que é comum a todas as mulheres que vivem na prostituição. “Não conheço nenhuma mulher que me tenha dito que gosta de ser prostituta” (disse Inês Fontinha).
A violação numa fase precoce da vida parece igualmente estar associada à debilidade que leva à prostituição, embora a violação seja também uma arma para tornar débil a mulher às mãos do proxeneta.
Alguns números que devem prender a nossa atenção:
– 60% das mulheres estrangeiras em Portugal e Espanha que trabalham na prostituição na zona fronteiriça do norte do País (sobre a qual incidiu o estudo apresentado por Fernando Bessa Ribeiro) fazem-no com conhecimento prévio. Entraram em Portugal com essa intenção. “Ninguém me enganou”.
A maior parte viaja a crédito. Alguém as financia: redes formais ou informais (família, amigos, vizinhos). Viajam como turistas, mas ao fim de três meses caem na situação de imigrantes ilegais – situação precária que as coloca na dependência. Podem ganhar 2000 a 3000 euros por mês.
A prostituição é um negócio
Para lá da grande causa económica (miséria, associada à baixa auto-estima), há um negócio interessado na prostituição. Negócio, aqui, quer dizer: dinheiro.
Interessa a este negócio que as mulheres que se prostituem pareçam provenientes de todas as classes, ainda que não sejam. As prostitutas são maioritariamente de classe baixa, mesmo que vistam adereços e frequentem locais da classe alta. A prostituição é um mercado. Como tal, a oferta adapta-se à procura.
O fenómeno das “jovens universitárias” dos anúncios dos jornais e das reportagens da TV deve ser lido neste contexto. Não serão tantas como se diz, mas convém que se diga que são muitas para atrair clientes e fazer passar uma ideia de banalização. Há actrizes pagas (filmadas sem revelar a identidade) para dizerem que são estudantes. E os números que aparecem nos jornais conduzem a agências que reencaminham para mulheres que desempenham o papel de universitárias.
As ajudas concretas à mulher que se prostitui devem passar por uma actuação:
– que despenalize a prostituição (já vivemos numa sociedade abolicionista), mas incida na procura (cliente) e no aproveitamento de terceiros (lenocínio);
– de ajuda simultaneamente sanitária (DST), de apoio psico-social, de apoio jurídico (por exemplo, nos casos de ilegalidade), de levar à consciência dos seus direitos e deveres;
– a longo prazo. Esta ajuda pode ser demorada: só ao fim de cerca um ano a mulher poderá sentir-se com a confiança suficiente para finalmente partilhar os seus problemas e ansiedades – como vários testemunhos “no terreno” revelaram;
– de promoção e valorização. Esta ajuda passa pela formação profissional: a mulher pode deixar de ganhar 3000 euros e passar a ganhar o ordenado mínimo se gostar de si própria. “Quem gosta de si própria não se prostitui”, como transmitiu Inês Fontinha;
– de trabalho em rede: Igreja, IPSS, autarquias, Segurança Social (o que já vai sendo feito); identificação dos organismos que trabalham na área e estabelecimento de parcerias;
– de divulgação das boas práticas;
– de denúncia dos “clientes” e dos proxenetas;
– de pressão na Segurança Social para que surja um adequado enquadramento para os projectos que incidem nesta área. A Segurança Social enquadra-os sempre nas “comunidades de inserção”, quando não é só disso que se trata. Não há figura ou nomenclatura própria para os projectos sociais que incidam sobre o campo específico da prostituição.
Acções desenvolvidas
No encontro, foram partilhadas experiências concretas de trabalho com “mulheres da rua”. Em Albergaria-a-Velha, uma equipa Diocesana, liderada pelo R. Diácono Reinaldo Barnabé e da qual entre outros faz parte a Ir. Nazaré, visita cerca de uma dúzia de prostitutas (Projecto Mãos Solidárias), na zona de Albergaria-a-Velha. Esta acção consiste basicamente no acompanhamento, no travar amizade para que a médio ou longo prazo a mulher saia da rua. Os resultados raramente são imediatos. Em Aveiro, o Projecto RIA (parceria de 64 entidades) tem uma unidade móvel de apoio nas freguesias de Cacia, Esgueira e Vera Cruz. Apoia 22 pessoas (cinco são homens). Em Coimbra, as Irmãs Adoradoras (congregação fundada em Espanha com a finalidade de acolher mulheres da prostituição) têm um centro de atendimento e a Casa N.ª Sr.ª da Paz. Em 17 anos apoiaram 300 mulheres. Dão especial relevo à elaboração de um “novo projecto de vida”. Ainda em Coimbra, a Cáritas Diocesana oferece um Centro Comunitário de Reinserção, que acompanha várias mulheres em situação de exclusão. De entre os vários serviços destaca-se a empresa de reinserção e o acompanhamento após a saída da empresa.
Convicções finais
Do encontro de Aveiro ficaram estas convicções:
– “não podemos olhar para o lado perante esta questão”;
– “este problema exige solidariedade” – a relação de compromisso que cada um tem com o grupo e a sociedade em que vive;
– “temos de estar presentes neste mundo que precisa de salvação”;
– “este campo é de claro desrespeito pelos direitos humanos e pela dignidade da mulher”
– “as repostas devem surgir nas sendas da pedagogia do evangelho, num paradigma de respeito, lucidez, eficácia e esperança”;
– “a Doutrina Social da Igreja deve inspirar um tempo novo”
– “às redes de exploração, violência e negócio temos de contrapor uma rede de esperança”.
Nota final
No final do encontro, a Cáritas Diocesana de Lamego mostrou-se aberta para, no futuro, poder vir a disponibilizar instalações que ajudem a concterizar um eventual projecto interdiocesano na área da prostituição. Este foi, pois, um sinal concreto do encontro de Aveiro. “A fatalidade [associada ao tema da prostituição] é trágica para a mudança”, mas “não tem que ser assim; é possível mudar”, disse o presidente da Cáritas de Lamego.
Aveiro, 25 de Março de 2008
Centro Universitário Fé e Cultura
Promoção e realização: Cáritas Diocesanas de Aveiro, Coimbra, Guarda, Lamego, Leiria/Fátima, Viseu e Cáritas Portuguesa