Urge uma nova Europa
O predomínio do económico tem levado a níveis inconcebíveis de pobreza e de marginalização. É que o capital é insolidário, pois deixa de fora do sistema que o alimenta os mais vulneráveis. Eugénio Fonseca in “Boletim Agência Ecclesia”
Perante a crise que está a assolar o Mundo, a Europa encontra-se no momento crucial para concretizar o seu primordial objectivo: ser um espaço de unidade em todas as dimensões, em ordem ao desenvolvimento integral e construtor de autêntica coesão social.
Desde o final da II guerra mundial, foram dados passos decisivos nos planos económico e político que conduziram à Comunidade Económica Europeia, essencialmente marcada pelo designado mercado comum. Ultrapassadas algumas dificuldades – outras ainda subsistem – conseguiu-se a superação de fronteiras e alfândegas, permitindo a livre circulação de pessoas, de bens e de capitais. Para fidelizar estas fundamentais transformações e para que se vá concretizando o verdadeiro sonho de Schuman, em 1992, a Comunidade Europeia passou a designar-se por União Europeia. Esta união foi reforçada pela criação de uma moeda única que, infelizmente, ainda só foi adoptada por 16 dos 27 Estados membros.
Apesar destes avanços, não podemos ignorar problemas de grande complexidade, nem calar interrogações e preocupações que fragilizam a união da Europa e o contributo que o mundo espera dela. Neste espaço não se conseguirão elencar todos os que, actualmente, devem ser considerados pelos próximos parlamentares europeus. Referirei apenas um que, na óptica de uma instituição como a Cáritas, é determinante: a primazia do económico sobre o social.
Influenciada pela globalização da economia, a Europa contribuiu para o reforço do sistema neo-liberal, que tem como lógica a ganância e a competitividade desleal. Esta opção fez relegar para um plano secundário a implementação de uma Europa social, na qual a distribuição justa da riqueza produzida permitisse a criação de maior bem-estar, capaz de proporcionar aos cidadãos da União Europeia o acesso à educação, à cultura, à saúde… O predomínio do económico tem levado a níveis inconcebíveis de pobreza e de marginalização. É que o capital é insolidário, pois deixa de fora do sistema que o alimenta os mais vulneráveis. Esta inversão do objectivo inicial da unidade europeia levou João Paulo II a recordar, na Exortação Pós-Sinodal Ecclesia in Europa, a necessidade de construir uma Europa aberta e acolhedora, promotora de solidariedade e de paz no mundo (EE, 111). Disse o Papa: “a Europa deve participar activamente na promoção e realização duma globalização na solidariedade” (EE 112). É que a União Europeia reduzida só à dimensão geográfica e económica, nunca chegará a cumprir a sua missão crucial. E até correrá o risco de se auto aniquilar.
Para que tal não aconteça, a Igreja é chamada, através da presença e acção pública dos cristãos, designadamente dos que desempenham tarefas políticas, a dar um inegável contributo para o crescimento da “cultura da solidariedade”, contribuindo assim para que, a partir do espaço europeu, os valores universais da convivência humana se irradiem por todo o mundo (EE, 85). Ou seja, anunciar de forma convincente o evangelho da esperança e credibilizá-lo com o serviço da caridade, promovendo acções e participações públicas e sociais adequadas.
Outra realidade a não ignorar decorre do facto de vivermos numa Europa democrática e pluralista. Por esta razão, é imprescindível caminhar em conjunto, em direcção a uma nova Europa, onde o económico não tenha a primazia absoluta, mas sejam a justiça e a solidariedade a recuperar, com toda a determinação e vigor, na certeza de que não só é possível coexistirem diferentes culturas e credos religiosos, como podem conviver em fraterna unidade.
Que os próximos eleitos para o Parlamento Europeu sejam artífices desta nova Europa.
Eugénio Fonseca,
Presidente da Cáritas Portuguesa