Alerta: população sem condições para mais austeridade
O presidente da Cáritas considera que não há espaço para aumentar a carga fiscal sobre os portugueses e que o acordo com a troika deve ser revisto no sentido de alargar o prazo de pagamento da dívida pública. Em entrevista à Agencia Ecclesia, Eugénio Fonseca, comenta o relatório do comissário do Concelho da Europa para os Direitos Humanos.
“O nosso povo já não consegue suportar mais medidas de austeridade”, frisou Eugénio Fonseca em declarações à Agência ECCLESIA, acrescentando que a população, “por muito boa vontade que tenha para ajudar o país a superar a situação gravíssima em que se encontra, já deixou de ter condições para o fazer porque a sua vida atingiu o limite do que é razoável”.
O Governo tem “uma obsessão muito grande pela superação do défice, numa rapidez intolerável para as condições que o país atravessa”, afirmou o responsável, que também criticou “os cortes em áreas sensíveis”, como o abono de família, o Rendimento Social de Inserção e o subsídio de desemprego.
Eugénio Fonseca acentuou que “os encargos decorrentes do compromisso com a troika têm de ser distribuídos “com maior equidade social, o que não tem sido feito”: “Tem-se prejudicado essencialmente a classe média, que está totalmente esfrangalhada, e não se tem ido, muitas vezes, aos rendimentos dos que os possuem em maior abundância”.
O responsável do organismo da Igreja Católica sublinhou também que “é preciso renegociar o compromisso estabelecido com a troika”: “Não está em causa pagar-se a dívida, mas no quadro da solidariedade que se impõe à União Europeia, a que pertencemos, deve dar-se um prazo maior”.
Depois de sustentar que a revisão do protocolo “tem de ser compatível” com as possibilidades dos portugueses, “o que não está a acontecer”, o presidente acentuou que o alargamento do prazo para pagamento da dívida não pode implicar “maiores taxas de juro”.
O argumento de que a confiança dos mercados em Portugal fica em causa se o acordo com a troika for revisto “poderia ser plausível há algum tempo”, quando se temia “o efeito de contágio relativamente à Grécia”, mas deixou agora de ter justificação, observou.
“Se temos sido tão bem comportados nos compromissos assumidos, há que estar de cabeça levantada e exigir prémios por eles. E não é favor nenhum que a troika nos possa fazer. Pode estar em causa a soberania do país se não acautelamos a salvaguarda dos valores e de obtenção de condições de vida para a nossa gente”, vincou.
A superação do défice exige que o Governo recorra a soluções para além da austeridade, que no seu entender tem sido insuficiente para Portugal cumprir as metas acordadas com o Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia.
Eugénio Fonseca pede ao Executivo que “facilite a criação de postos de trabalho”, dê “capacidade de investimento às pessoas, para que a economia se possa revitalizar”, e tenha “muita atenção aos rendimentos não declarados”.
As declarações do presidente da Cáritas Portuguesa foram produzidas após a leitura de um relatório do comissário do Conselho da Europa para os Direitos Humanos, que esteve em Portugal no mês de maio para avaliar o impacto da austeridade.
Nils Muiznieks “faz a síntese das preocupações que têm sido expressas várias vezes pela Cáritas”, nomeadamente a “pobreza infantil”, causada pelo “flagelo do desemprego”, e a vulnerabilidade dos idosos ao aumento dos custos dos bens essenciais e do acesso aos cuidados de saúde.