Um ano de revista Cáritas
A revista Cáritas assinala neste mês de maio o seu primeiro aniversário. Fórum de diálogo e partilha da ação social em Portugal, a revista Cáritas apresenta no seu número 4, do mês de maio, um conjunto de leituras que lhe permitem reforçar este desejo de ser contributo para uma leutra real, renovada e inquieta.
Ficam as palavras do Pe. José Manuel Pereira de Almeida, diretor da revista Cáritas, no seu editorial:
O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás…
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem…
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras…
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo…
Recordo estas palavras com cem anos, num tempo em que as reconhecemos frescas, vivas, novas. Propus, em diversas ocasiões, estes versos de Alberto Caeiro (de O Guardador de Rebanhos, com a data de 8 de março de 1914), quando fui assistente do MCE – Movimento Católico de Estudantes (que resultou da fusão JEC-JUC), para entusiasmar os jovens estudantes a olharem com olhos de ‘ver’ ao andar pelas estradas. A lutarem contra a indiferença. A permanecerem atentos à eterna novidade do Mundo.
Olhar. Ver.
Quando o Papa São João XXIII escreveu a encíclica Mater et magistra (1961), ainda que tenha falado de “doutrina social”, não desenvolve o pensamento segundo o método dedutivo (partindo dos princípios – quer do chamado ‘direito natural’, quer da Revelação – para chegar à prática, eventualmente a um modelo de ‘sociedade cristã’), mas recorre ao método indutivo, ascendente: parte de baixo, do real, começa por olhar «as situações», e propõe um caminho, um percurso realizado «à luz do Evangelho», que permita uma mudança efetiva de acordo como os valores do Reino: justiça, paz e alegria (cf. Rm 14,17b).
Este método foi o do Concílio Vaticano II e encontra-se claramente expresso na Gaudium et spes (1965). Paulo VI segue-o na encíclica Populorum progressio (1967) e como que o codifica no n.4 da Octogesima adveniens (1971). Diz este número da Carta Apostólica que «cabe às comunidades cristãs»:
- «analisar com objetividade a situação do seu país»;
- «iluminá-la com a luz das palavras inalteráveis do Evangelho», tendo em conta «princípios de reflexão, critérios de juízo e diretrizes para a ação» no ensinamento social da Igreja […];
- discernir – «com a assistência do Espírito Santo, em comunhão com os bispos responsáveis e em diálogo com os outros irmãos cristãos e com todas as pessoas de boa vontade» – «as opções e os compromissos que convém tomar para se operarem as transformações sociais, políticas e económicas que se apresentam como necessárias e, em não poucos casos, urgentes».
Olhar, apreciar, transformar.
Todo um programa de intervenção que continua atual. Necessário.
Neste número da revista Cáritas, como nos do ano passado, encontramos várias contribuições para uma leitura do real. Não deixe cada um de nós de realizar essa leitura, com uma renovada atenção e uma inquieta solicitude.
(J. M. Pereira de Almeida | Editorial | nº 4)