A Experiência Humana
J. M. Pereira de Almeida | Editorial | nº 7
Em muitos locais, quando me convidam a conversar sobre a dimensão ética de diversas questões, tenho sublinhado que estou, diante de quem me escuta, em situação bem diferente daquela em que estaria se a sessão fosse sobre outro âmbito cognitivo. Explico-me, recordando Rudof Ginters[1]: se eu fosse especialista de genética e os meus interlocutores cultivadores de orquídeas, esperaria do auditório todo o interesse (por isso ali se encontravam aquelas pessoas, para saber como poderiam melhorar as espécies que cultivavam), mas não posso contar com o seu saber. Naquela situação, eles sabem de orquídeas, mas, de genética, sou eu quem sabe. Ora, quem expõe um assunto de matéria ética, é bom que conte com o interesse de quem o escuta, mas tem de contar seguramente com o seu saber.
Cada um de nós, pela sua experiência, tem um certo saber de ética. A experiência moral corresponde a um património que não pode ser colocado entre parênteses, que não pode ser ignorado. Antes, quem aprofunda questões de ética não pode não contar com a nossa comum experiência humana: a experiência é um lugar de saber moral.
O Concílio Ecuménico Vaticano II, de que continuamos a celebrar o 50º aniversário, apresenta-nos um dupla atenção para a leitura da realidade. Afirma no início do n.46 da Gaudium et spes: «Depois de termos exposto qual a dignidade da pessoa humana e que tarefa é chamada, individual e socialmente, a desempenhar por todo o mundo, o Concílio, à luz do Evangelho e da experiência humana dirige agora a atenção de todos para algumas necessidades mais urgentes do nosso tempo que afectam no mais alto grau o género humano».
À luz do Evangelho e da experiência humana.
É certamente à luz do Evangelho, mas também da experiência humana, que os cristãos de hoje continuam convidados a olhar, a tentar compreender, a reflectir sobre o tempo presente, cheio de dificuldades e aflições, mas também de oportunidades e esperanças.
Muitos de nós se dão conta de que algumas consequências do nosso agir são claramente irreversíveis. E muitos dos dramas do nosso viver têm como pano de fundo essa irreversibilidade. E também nos damos conta, pela nossa experiência, de como são imprevisíveis muitas das consequências das nossas ações. A imprevisibilidade é, assim, entendida como parte significativamente importante da complexidade que nos envolve.
Por sinal, a filósofa Hannah Arendt (1906-1975) oferece-nos uma reflexão muito oportuna sobre estas duas dimensões na sua obra A condição humana[2]. Apoio-me, para os editoriais da revista CÁRITAS de 2015, no seu pensamento a este propósito, e conto poder escrever sobre oportunidades e esperanças.
Ser assinante da Revista Cáritas_ AQUI
[1] Cf. R. GINTERS, Valori, norme e fede cristiana. Introduzione all’etica filosofica e teologica, Casale Monferrato 1982, Marietti, 5.
[2] H. ARENDT, A condição humana, Lisboa 2001, Relógio d’Água.