Guilherme d’Oliveira Martins
«Na Semana Nacional da Caritas 2019, importa pôr a tónica no papel fundamental das organizações de proximidade. Falamos da salvaguarda da diversidade, da complementaridade e da consideração de “uma só família humana”. Longe de uma noção fechada de unicidade, temos de ver o outro como a outra metade de nós mesmos. Diferença e igualdade são faces da mesma moeda. «O bem comum consiste no conjunto de todas as condições de vida social que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana» – afirmou João XXIII na «Mater et Magistra» (1961).
Se uma autoridade não reconhecer os direitos ou os violar «não só perde a razão de ser, como também as suas injunções perdem a força de obrigar em consciência», como insistia o Papa há cinquenta anos, num documento moderno que hoje se tornou mais atual que nunca. A noção de serviço público não se atém, assim, apenas ao Estado e ao mercado, mas à comunidade. A comunidade tem assim de representar a sociedade e os cidadãos, devendo o serviço público corresponder sempre a uma rede de iniciativas de cidadãos criadores e participantes. Falamos do catálogo de direitos aceites e reconhecidos pelas Nações Unidas, que a «Pacem in Terris» refere: a existência de um digno padrão de vida; o respeito pelos valores morais e culturais; o prestar culto segundo o imperativo da reta consciência; a liberdade de escolha do estado de vida; a satisfação justa de necessidades económicas; para além dos direitos de reunião, de associação, de migração e de participação política, e ainda a liberdade religiosa e de consciência. E este conjunto completa-se com o elenco dos deveres de cidadania (e não de súbditos): reciprocidade entre direitos e responsabilidades, colaboração mútua entre pessoas, convivência na verdade, na justiça, no amor e na liberdade, bem como salvaguarda de uma ordem moral, cujo fundamento para os cristãos é o próprio Deus.
Referimo-nos à noção de «bem comum» que parte da dignidade da pessoa humana, articulando a singularidade individual e o sentido comunitário. Não se trata de referir um modelo de bem comum ou uma noção estereotipada de democracia – mas sim de considerar a pessoa humana como medida comum de direitos e responsabilidades. Estamos perante um elemento de justificação, de legitimidade e de reconhecimento. É justificação, uma vez que permite superar a lógica redutora da sociedade humana sujeita a modelos ou receitas. Sendo a pessoa a referência, a organização e o funcionamento da sociedade deverá encontrar um modo de respeitar, de facto, a liberdade, a igualdade, a diferença, a responsabilidade social, o pluralismo, o respeito mútuo, a igual consideração e o equilíbrio e a limitação de poderes (de Montesquieu). E Maritain esclarece: «No dia em que todos os fiéis possam viver com homens de outras crenças, praticando em relação a eles perfeitas virtudes de justiça, de amor e de inteligência, e guardando ao mesmo tempo em si a verdadeira fé perfeitamente íntegra e pura, nesse dia os homens não terão necessidade de praticar essas virtudes em relação às pessoas doutras crenças porque a infidelidade e a divisão religiosa terão desaparecido da terra». A qualidade do cuidado para quem precisa e do serviço público de interesse geral tem de ser realçada – educação, saúde, proteção social, meio ambiente, qualidade de vida. A demografia reduz os nascimentos e torna a sociedade mais idosa – eis por que temos de encontrar novos caminhos que correspondam a esta realidade.
A Cáritas pretende assim aperfeiçoar-se como instituição que incentive e favoreça os cuidados de proximidade. O bem comum não é uma abstração é o reconhecimento da dignidade humana».