Emergências: Cáritas avança com Plano de Resposta Nacional
Plano Institucional de Resposta a Emergências e Catástrofes da Cáritas Portuguesa – PIREC
A Cáritas tem, desde o início do mês de maio, um Plano Institucional de Resposta a Emergências e Catástrofes da Cáritas Portuguesa – PIREC. A implementação deste plano está a cargo de uma equipa especializada, constituída para este efeito, e que será coordenada por Duarte Caldeira, atual presidente do Conselho Diretivo do Centro de Estudos e Intervenção em Proteção Civil (CEIPC). Duarte Caldeira que é também membro do Observatório Técnico Independente criado na Assembleia da República para acompanhamento dos incêndios florestais que ocorram no país, coordena, assim, a partir deste momento uma equipa que a Cáritas Portuguesa designou para responder a qualquer emergência nacional e internacional.
A equipa que é nacional, é constituída por elementos de diferentes áreas de intervenção, incluindo representação da Diocese das Forças Armadas e de Segurança, e de todas as Cáritas diocesanas e tem como objetivo dar à Cáritas uma resposta coordenada e eficiente em caso de emergência, conforme explica o seu coordenador:
Cáritas Portuguesa: A Cáritas tem pela primeira vez um plano de resposta de emergência estruturado e a nível nacional. A sua equipa coordenadora tomou posse e está já a trabalhar no terreno com vista à formação dos diferentes agentes nacionais. O que significa para uma entidade como a Cáritas chegar até aqui?
Duarte Caldeira: Julgo que é absolutamente indispensável para qualquer entidade possuir um instrumento de intervenção de emergência e mais ainda a Cáritas, dada a sua envolvência social, humana e espiritual, perante a comunidade. Muitas vezes na resposta a emergência há uma dimensão que é a vontade de fazer, ajudar, estar presente e manifestar ativamente a solidariedade. É um valor altamente inestimável, mas associado a este valor devemos ter sempre a consciência de que estaremos a ser tão ou mais coerentes na nossa predisposição de ajudar, na medida em que essa ajuda seja desenvolvida corretamente, organizadamente, eficazmente.
Para a Cáritas julgo que é fundamental ter este modelo de resposta que envolve, da base ao topo, toda a Instituição sendo certo que, também neste como quem qualquer plano, o que prevalece é resposta de proximidade. Ou seja, a intervenção da Cáritas, proposta neste plano de emergência, é feita a partir da base para o topo.
A estrutura de coordenação nacional tem como objetivo principal dinamizar a Cáritas em todo o território de modo a que, em qualquer situação que seja necessário intervir, a primeira resposta seja executada ao abrigo de um principio fundamental do direito humanitário internacional que é o principio da subsidiariedade e que nós resumimos muito na gíria da proteção civil como “faz melhor quem está mais perto”. A proximidade é um valor fundamental na resposta às emergências, de qualquer natureza.
A proximidade tem como valor acrescentado o conhecimento! Ninguém conhece melhor a comunidade em que se tem de intervir do que aqueles que estão próximo. Este plano foi contruído de modo a potenciar a intervenção dos grupos de ação local, depois as dioceses e só numa última instância e em algumas circunstâncias a estrutura central da Cáritas, precisamente porque está baseado no fazer, estar próximo, tanto quanto os destinatários o necessitarem.
Cáritas Portuguesa: Que plano é, então, este? O que está na sua base, que respostas vem ele trazer ou que género de diretiva apresenta para a resposta em emergências?
Duarte Caldeira: Fomos construindo um Plano de Resposta à Emergência tendo sempre em consideração dois aspetos essenciais: primeiro, as especificidades da missão da Cáritas, pois de outro modo seria um plano burocrático e desajustado; segundo a necessidade de organização que uma intervenção de emergência necessariamente tem. Os dois objetivos principais são assim dar consistência organizativa à estrutura de emergência e eficácia operacional à missão que nesse contexto a Cáritas possa desenvolver.
Cáritas Portuguesa: Mas o que é, então, um Plano de Resposta à Emergência?
Duarte Caldeira: Um Plano de emergência responde a 3 questões: O quê? (Identificar a tipologia da situação que temos em presença e à qual temos de responder); Como? (Definir a forma de responder a cada situação); Com quem? (Inventariar os recursos humanos e definir as suas funções).
Estas três perguntas correspondem a três momentos diferentes da resposta que têm depois desenvolvimentos próprios. Em primeiro lugar, quando dizemos “o quê”. Não é a mesma coisa responder a uma situação de catástrofe generalizada ou de responder a uma situação igualmente de catástrofe, mas localizada. Por outro lado, há situações que não sendo catastróficas geram danos na comunidade, tanto humanos como na sua vida económica, social e cultural. Esta caracterização “o quê” é essencial para orientar depois todo o processo de resposta. O “como” está diretamente associado à formação. Só há uma forma de responder à emergência que é bem! Para responder eficazmente a emergência, é preciso que cada interveniente saiba exatamente o que lhe compete fazer e que o faça bem.
Finalmente o “com quem” que é a identificação das pessoas anteriormente referidas, ou seja, quem são os “personagens” que assumem cada uma das funções que fazem parte da resposta de emergência.
Assim se reúnem as adequadas condições para se atingirem os três grandes objetivos da resposta a emergências: salvar vidas, minimizar os efeitos – nomeadamente humanos – e, finalmente, tão rápido quanto possível restaurar a normalidade, quer da vida das pessoas quer das comunidades.
Foi à volta destas ideias força que construímos o PIREC. Precisamente para orientar a missão da Cáritas, no âmbito da sua missão, em que ela seja chamada a intervir e a participar no processo de resposta a qualquer tipo de emergência.
Cáritas Portuguesa: Seguindo o princípio da proximidade, que identificou anteriormente, todo este trabalho terá se ser feito em articulação com as entidades locais, que estão também elas no terreno, numa lógica de resposta rápida. Como é que será feita essa articulação?
Duarte Caldeira: A eficácia deste Plano, que é interno e institucional da Cáritas, também se mede na medida em que haja uma boa articulação e comunicação entre as entidades locais da Cáritas e as respetivas estruturas locais, quer autárquicas, quer das Forças de Segurança e de proteção civil. Tivemos a preocupação de consagrarmos neste plano a lógica da rede, ou seja, de potenciar uma grande articulação de proximidade e comunicação. Apostar num processo formativo com a estrutura da Cáritas no sentido de que seja possível através de uma ação de articulação e comunicação permanente, não apenas em períodos de catástrofe, porque a relação e a comunicação constroem-se no dia a dia. Na medida em que se consiga estabelecer mecanismos em “tempo de paz” maior será a agilidade de canais de comunicação no quadro de uma resposta alargada em emergências.
Cáritas Portuguesa: Estabelecido o plano e depois da tomada de posse da equipa coordenadora, qual é agora o próximo passo?
Duarte Caldeira: A primeira fase está concluída que era a construção do próprio plano e a sua aprovação. A segunda fase é o esboço de organização do grupo coordenador e a formação da estrutura Cáritas. A formação da estrutura pretende alcançar uma questão essencial que é unidade de conceitos e de ação. É necessário que toda a estrutura da Cáritas exerça a suas funções de acordo com o mesmo referencial de organização. Isto permite potenciar a relação de Cáritas diocesanas vizinhas, por exemplo, poder haver sinergias locais. Isso só será possível se todos agirem de acordo com o mesmo referencial de intervenção. Por outro lado, a formação também pretende qualificar as pessoas nos domínios em que a especificidade da resposta a emergências o necessite. Por exemplo, quando falamos de logística, há logística nas suas mais diversas naturezas, mas a logística humanitária tem especificidades que têm de se conhecer.
A logística humanitária vai ser a primeira ação de formação que vamos promover. Para que as pessoas percebam em concreto que esta é uma dimensão essencial. Como se organiza um armazém, como se organizam canais de distribuição, abrigos provisórios, tudo aspetos que não podem ser concretizados sem a necessária formação.
Cáritas Portuguesa: Depois dos incêndios de 2017 o país mudou no que diz respeito à resposta a emergências. Podemos dizer que existe hoje uma maior consciência coletiva das responsabilidades pessoais e coletivas?
Duarte Caldeira: Tivemos durante muitos anos um problema sério no país que é, o facto de estarmos num território onde os acontecimentos catastróficos são casuísticos. A falta deste tipo de vivências é positiva, mas criou na sociedade portuguesa a ausência de uma cultura de segurança. Com os incêndios de 2017 e as suas trágicas consequências os cidadãos começaram a ter uma maior consciência de risco.
É preciso investir-se na formação dos cidadãos para a sua autoproteção. Por exemplo, a grande maioria dos portugueses não sabe utilizar um extintor.
A tragédia de 2017 e as outras que se seguiram, como foi o caso do Algarve em 2018, tocou a comunidade no seu todo. Não houve cidadão português que não tivesse tomado contacto com esta tragédia. O que fez com que os portugueses, alguns pela primeira vez, se tivessem questionado sobre o que fariam se fosse com eles. Uma das lições aprendidas com esta situação foi exatamente esta perceção que hoje os cidadãos têm de que esta situação pode acontecer a qualquer um.
Houve alguns projetos que se desenvolveram muito positivos, especialmente no meio rural, sobre o que fazer e como ajudar as outras pessoas. Outro aspeto mais difícil de resolver que é o facto de termos um país onde o espaço rural é cada vez menos usado e, por isso, não é cuidado e isso é um barril de pólvora cada vez maior. A causa fundamental que dá origem aos incêndios é, por um lado a falta de ordenamento do território e, por outro, a ausência de pessoas no interior e centro do país onde há riscos de incêndio maiores.
Cáritas Portuguesa: Podemos esperar da Cáritas um apoio às comunidades locais sobre como agir em situação de emergências?
Duarte Caldeira: Uma das preocupações que temos é não forçar, queremos incentivar um processo de conquista porque nestas matérias, como em outras, o primeiro sucesso acontece a partir do momento em que as pessoas forem conquistadas. Neste momento queremos apostar na ativação dos grupos de ação local, ao nível das paroquias. É um processo que não tem velocidades iguais e terá de ser muito acompanhado e adaptado às necessidades de cada diocese.