A COVID-19 mostra que a integração dos migrantes na Europa é sempre importante
Por Maria Nyman, Secretária-Geral Cáritas Europa
Os migrantes, especialmente os de fora da UE, desempenharam um papel vital em manter supermercados, transportes públicos, cuidados domiciliares e serviços de saúde a funcionar durante a pandemia – os setores que já enfrentavam escassez de mão-de-obra antes da pandemia, muitas vezes devido a baixos salários e más condições de trabalho. A migração é a chave para manter nossas economias e sociedades em funcionamento.
Em Portugal, a taxa de atividade dos estrangeiros (61%) é superior à taxa de atividade dos portugueses (47%), demonstrando bem a dinâmica a capacidade empreendedora (Valente et al. 2016). No entanto, os migrantes tendem a enfrentar sérios desafios à inclusão socioeconómica, em parte porque podem ser novos no mercado de trabalho do país de destino, mas também por causa de obstáculos estruturais, como discriminação, burocracia e por usufruírem de menos proteção em situação de desemprego, ao qual, ao mesmo tempo, estão mais expostos que nacionais (Valente et al. 2016).
Os migrantes poderiam contribuir muito mais, mas estes desafios muitas vezes dificultam o desenvolvimento do seu potencial e a sua contribuição para a sociedade. Os migrantes em toda a Europa estão mais expostos a contratos de prazo fixo e atípico, a obter uma estabilidade no emprego mais curta, a trabalhar em setores sazonais e a ganhar salários mais baixos (Fasani e Mazza, 2020). Os migrantes estão, portanto, entre os primeiros a serem atingidos por choques económicos, como o desencadeado pela pandemia COVID-19. Isso fica claro na previsão mais recente do Banco Mundial, que prevê que os migrantes enviarão 20% menos dinheiro em remessas para seus países de origem neste ano (Banco Mundial 2020).
Através do seu trabalho social com os migrantes em situação de vulnerabilidade, a rede Cáritas está a testemunhar um aumento nos pedidos de alimentos e residência. Estamos também a atravessar um pico nos pedidos de ajuda de estudantes migrantes que perderam os seus empregos em part-time, dos quais dependem para financiar suas vidas diárias. Embora pedir ajuda social governamental possa ser uma opção para os nacionais, nem sempre é este o caso para os migrantes.
Proteger dos direitos dos migrantes e encontrar uma solução que beneficie todos
A Europa precisa e depende das migrações para sustentar o seu próprio desenvolvimento e o bem-estar dos cidadãos. Mesmo assim, faz esforços limitados para garantir aos migrantes condições de vida decentes e estáveis, segurança social e acesso ao mercado de trabalho. Essas garantias não satisfariam apenas uma diretiva moral; isso beneficiaria a sociedade como um todo.
Este reconhecimento limitado das contribuições dos migrantes e de falta de solidariedade, também se reflete nas negociações a nível da UE e, especialmente, na colaboração da UE com países terceiros, o que é evidente no novo Pacto em matéria de migração e asilo da UE, no novo Acordo entre a UE e o grupo de países de África, Caraíbas e Pacífico e na nova parceria UE-África. Apesar do papel essencial que os trabalhadores migrantes desempenham em face da pandemia, as propostas do lado da UE no contexto destas negociações demonstram muito pouco progresso em relação aos quadros anteriores e carecem de medidas concretas para facilitar a migração regular. Em vez disso, estas propostas concentram-se esmagadoramente em medidas de segurança e de curto prazo que visam principalmente fortalecer o controlo das fronteiras e reduzir as chegadas de migrantes na Europa – muitas vezes à custa dos direitos humanos dos migrantes.
Esta contínua falta de solidariedade não só mostra que lamentavelmente estamos a afastar-nos dos valores fundamentais europeus, mas também que a UE e os seus Estados-Membros têm falhado na promoção de um ambiente propício que possa impulsionar as contribuições positivas dos migrantes para com os seus países de origem. Quanto mais os migrantes são bem-vindos e têm autonomia para prosperar, mais os países e comunidades de acolhimento podem beneficiar das suas contribuições.
Com base na sua longa experiência como prestadora de serviços para pessoas necessitadas, incluindo migrantes, a rede Cáritas Europa apela a políticas que possibilitem e fortaleçam a inclusão social e económica dos migrantes. Também acreditamos que isso beneficiaria comunidades inteiras, não só migrantes.
Os migrantes devem ter acesso a empregos que reflitam o seu nível de educação formal, devem receber contratos oficiais, condições de trabalho justas e o mesmo salário que os nativos na mesma posição. De forma mais ampla, a Europa precisa de uma abordagem de longo-prazo baseada em direitos, centrada no ser humano e garantir que as habilidades e contribuições dos migrantes sejam valorizadas publicamente. Essa abordagem é tão importante como sempre: a nossa liderança política não se pode mais dar ao luxo de perder oportunidades valiosas para abordar o impacto socioeconómico da COVID-19 ao formular de políticas moldadas por perceções erradas e prejudiciais das migrações. Este é o tempo de tomar medidas consistentes com os direitos humanos, os valores da UE e as contribuições vitais dos migrantes para as nossas sociedades.