As ambivalências do Rendimento Social de Inserção, 25 anos depois
Criado em 1996, esta semana foi celebrado o 25.º aniversário do RMG (Rendimento Mínimo Garantido) /RSI (Rendimento Social de Inserção), uma medida que se concretiza formalmente numa prestação em dinheiro para assegurar a satisfação das necessidades mínimas dos beneficiários, e num programa de inserção que deverá integrar uma base de contratualização para um plano de inserção (conjunto de ações estabelecido de acordo com as características e condições do agregado familiar do requerente da prestação, visando uma progressiva inserção social, laboral e comunitária dos seus membros).
A situação do risco de pobreza, os trabalhos em curso para a construção de uma estratégia para o seu combate, a conjuntura pandémica e as suas consequências na vulnerabilidade das famílias, chamou a atenção para a necessidade de olhar para o RSI e avaliar a pertinência desta medida quando o estado social é outro, a complexidade dos problemas sociais aumentou, o acompanhamento da medida é irregular e pouco investido, e há já “lições” sobre a aplicação da metodologia.
Importa referir que o RSI se destina por definição a cidadãos em situação de “pobreza extrema” e, segundo as regras do Instituto da Segurança Social, só pode ser atribuído se “a soma dos rendimentos mensais de todos os elementos do agregado familiar” não for “igual ou superior ao valor máximo de RSI, calculado em função da composição do agregado familiar”.
No início de janeiro de 2021 dados do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, referiam que “o valor processado de prestação de Rendimento Social de Inserção (RSI) por beneficiário era de 119,11 €”. Cada beneficiário titular do RSI pode receber até 189,66 euros. Além dele, cada membro da família que seja maior de idade pode receber até 70% do valor total deste apoio (ou seja, 132,76 euros). E cada membro menor de idade pode receber até 50% do valor total do RSI (94,83 euros). O Valor da prestação de RSI depende ainda do valor do património mobiliário (depósitos bancários, ações, obrigações, certificados de aforro, títulos de participação e unidades de participação em instituições de investimento coletivo ou outros ativos financeiros) que não pode ser superior a 26.145,60€ (60 vezes o valor do indexante de apoios sociais)”.
O sentimento geral é de que, “apesar de o valor legislado atribuído não ser, de todo, o necessário para que a maioria das pessoas possam fazer face às suas necessidades diárias, acaba por ser a única resposta existente para situações de extrema necessidade que permite a sobrevivência de quem recorre à referida prestação e por isso, desde que bem aplicada, acompanhada (por parte de todos os agentes de intervenção) e principalmente com vontade do próprio requerente em querer a sua autonomização, a media em causa é uma mais valia para a sociedade e que apesar de todos os esforço”.
Enfim, tendo presente o objetivo do RSI, os dados formais, informais e a perceção que temos sobre os territórios, parece evidente que se torna necessário avaliar a medida e ponderar rever os procedimentos, as regras ou até o próprio sistema. em articulação com os trabalhos em curso, os estudos publicados e as medidas previstas para a Estratégia contra a Pobreza. O caminho parece exigir que se garanta a coerência estruturada da informação, que deve ser capilar e partilhada, e a coesão numa ação/intervenção multissetorial e interdependente.
Assim, para que esta não se torne uma medida paliativa, que não combate a pobreza, que favorece um mercado de “trabalho” irregular, muitos vícios e má utilização, que deixa de fora 25% das pessoas, que não se candidatam por variadíssimas razões, apesar de reunirem os critérios. Importa enfrentar “despreconceituadamente” a mentalidade que enquadra o propósito e a que deve conduzir o futuro. Olhar com coragem para a pertinência da medida e da capacidade que tem de garantir um propósito de inserção. Não basta dar uma prestação. É preciso uma estratégia alargada de inserção social que ajude as famílias a entrar/regressar ao mercado de trabalho.
Refletindo sobre este tema acredito que de entre muitas perspetivas reflexão, importa considerar a importância de, para combater a pobreza:
- Priorizar a intervenção com as crianças e retirá-las do ciclo reprodutiva da pobreza
- Clarificar as medidas sobre cálculo dos rendimentos do agregado familiar, de forma a uniformizar critérios de cálculo (designadamente em matérias de prestações algumas são contabilizadas como rendimento outras não o são);
- Redefinir/clarificar o papel do RSI como instrumento temporário para a inserção;
- Ponderar substituir algumas prestações em dinheiro por cartões ou vouchers, de valor limitado, ou outros meios ágeis e flexíveis
- Atribuir um subsídio de renda quando não exista habitação social disponível;
- Conceder um cartão de saúde para acesso a medicamentos e consultas, com valor limitado;
- Conceder um cheque-educação;
- Criar condições de acesso ao mercado de trabalho e medidas de emprego com apoio financeiro de instituições europeias e nacionais com articulação com as autarquias, empresas e organizações;
- Favorecer medidas que motivem para o cumprimento das responsabilidades contratuais pelos beneficiários e pelo Estado e/ou punam o incumprimento relativamente aos programas de inserção.
- Garantir o acompanhamento e supervisão integrada de todas as medidas e de todos os recursos
Poderia continuar a listar medidas, sugestões, alternativas, mas não acho útil e será fastidioso. Acredito, porém, que ouvir os técnicos que nestes 25 anos acompanharam a medida, os beneficiários com histórias de sucesso e também de insucesso, e mapear os recursos na proximidade é indispensável para qualquer leitura desta medida e a qualquer decisão que pretenda corrigir os caminhos da exclusão.
Festejar os 25 anos do RSI sim …. Mas com desconforto, pelo que sugerimos um contínuo trabalho entre Estado, organizações no terreno e privados, para uma atuação que permita a estas pessoas ultrapassar o ciclo de pobreza e também o da crise social grave que se aproxima, implementando-se medidas que salvaguardem as questões ambientais, a habitação e o trabalho e a vida.
Rita Valadas
Presidente da Cáritas Portuguesa
(Crónica emitida no domingo, 4 de julho, no espaço “A Opinião”, na TSF