Confi(n)ar e desconfi(n)ar
A crise que hoje vivemos é singular… É de saúde (o seu nome é de uma doença) … é económica (afeta o rendimento e o emprego) … é social (fragiliza a organização social e a cidadania) … e não se lhe conhece o fim, nem as consequências. Limita-nos o presente e o futuro e abala todas as convicções
É por isso também uma crise de confiança (o que hoje é, amanhã não é) … de conhecimento (o que hoje se sabe, não é verdade amanhã) … e de convicção (as certezas que tínhamos e o seu oposto podem ser o mesmo caminho).
Começámos a primeira fase deste desconfinamento preocupados e sabendo que era um desconfinamento a conta-gotas, que cada fase seria avaliada, e tememos pelas crianças.
Começámos a segunda fase do desconfinamento e inundámos as esplanadas com a ansiedade previsível por tanto tempo de recolhimento forçado. O “assédio” da vida, do sol, da proximidade e do convívio são intoleráveis e a tendência para prevaricar, ainda que a medo, vence. Os ajuntamentos sucedem-se e a máscara perde protagonismo…. Olhamos críticos e preocupados com o que vemos e com o que estes comportamentos podem provocar. Escutamos os números a medo. Quase como que se não os ouvíssemos não teríamos que ficar preocupados.
Todos assumem que a terceira fase de desconfinamento pode trazer uma nova vaga, mas o desgaste do tempo faz com que esperancemos que não nos atinja a nós e aos nossos. O reforço indispensável dos testes e da campanha de vacinação, que defendem os especialistas, está longe de se concretizar e as notícias fazem-nos ambivalentes …. Quero vacinar-me ou é melhor não?… Que consequências poderá haver?…
A sociedade da informação em que vivemos inunda-nos de certezas contraditórias e o desafio só pode ser viver cada dia esperando que o futuro de desejamos, chegue depressa e são. “Enquanto e não” é bom que memorizemos as lições que a vida e o planeta nos estão a dar para que desconfinemos para uma vida mais feliz, segura e sustentável.
Vamos ser atentos e prudentes. Os danos na saúde são irreparáveis, os danos da economia são gravíssimos, os danos sociais são complexos e de reparação lenta, só a nossa prudência nos pode ajudar na construção do futuro.
Os dias começam cedo e as manhãs claras e azuis inspiram os nossos momentos.
Hoje vi um avião levantar voo para os lados do aeroporto e isso transportou-me para a minha infância. Os meus avós costumavam levar-nos ao domingo, de vez em quando, de autocarro de dois andares, a lanchar ao aeroporto, onde nos entretínhamos a ver levantar os aviões, enquanto comíamos uma torrada. Eu e o meu irmão adorávamos este programa.
Há prazeres prosaicos, que encantam as nossas memórias e que bem podíamos cultivar … São as lembranças que alegram o confinamento e as memórias que nos podem ajudar na idade maior. Estou certa de que muito está nas nossas mãos. Perseveremos!
Crónica de Rita Valadas emitida semanalmente na TSF: https://www.tsf.pt/programa/a-opiniao-de-rita-valadas.htm