Sobre as recentes estatísticas oficiais da pobreza em Portugal
O INE publicou recentemente uma atualização das estatísticas da pobreza e exclusão social em Portugal. Os dados, baseados no Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, permitem avaliar a evolução do risco de pobreza até 2021 e da taxa de privação material e social até 2022. Tanto a taxa de risco de pobreza como a taxa de privação material e social situavam-se em 2021 em níveis próximos dos observados antes da pandemia. Em 2022, a taxa privação material e social, incluindo a privação severa, diminuiu para valores historicamente baixos.
No atual quadro de reconhecidas dificuldades de um conjunto elevado de famílias portuguesas, refletido nas solicitações crescentes à rede Cáritas, estes valores do INE podem causar alguma perplexidade. No entanto, uma leitura cuidada permite conciliar a perspetiva estatística e a realidade concreta experienciada no terreno pela Cáritas.
Em primeiro lugar, apesar do esforço louvável do INE em atualizar com celeridade as estatísticas da pobreza em Portugal, a verdade é que estas representam leituras do passado. No presente, os principais desafios económicos que se colocam às famílias portuguesas são o aumento do custo de vida, o aumento das prestações bancárias e a manutenção do emprego nas situações mais precárias. Estes desafios ainda não encontram tradução nas estatísticas, mas já se vivem na realidade diária da rede Cáritas.
Em segundo lugar, estes dados baseiam-se num inquérito a alojamentos familiares. Casos de enorme fragilidade e exclusão, como as pessoas sem-abrigo, imigrantes temporários ou indivíduos institucionalizados, não são abrangidos na análise. Algumas destas situações têm ganho relevo no contexto da pandemia e não podem ser ignoradas na resposta social, mesmo que o sejam nas estatísticas oficiais.
Finalmente, os rostos por detrás das estatísticas da pobreza não são imutáveis. Todos os anos, muitas famílias caem numa situação de pobreza e outras conseguem emergir dessa condição. Essa mobilidade existe também numa frequência intra-anual. Os eventos que determinam a queda em situações de pobreza ou exclusão, como a perda de um emprego precário, uma alteração súbita no agregado familiar ou uma situação de doença não vêm com pré-aviso. Muitas famílias que vêm ao encontro da Cáritas procuram um apoio temporário numa situação desesperada. Quando avaliadas no conjunto do ano, algumas dessas famílias não são identificadas como pobres, embora tenham precisado de um suporte pontual, precisamente para o deixarem de ser.
No passado recente, houve progressos estruturais na evolução da pobreza em Portugal. A melhoria sustentada da participação no mercado de trabalho, o aumento das qualificações da população e as políticas de reforço da rede de segurança social foram essenciais para estes resultados. Ainda assim, a pobreza em Portugal é muito elevada e superior à observada em muitos parceiros europeus. O apoio coletivo à erradicação da pobreza em Portugal permanece um desígnio nacional. Apoiada na solidariedade dos portugueses, a rede Cáritas continuará sempre presente na opção preferencial pelos mais pobres.
Cáritas Portuguesa, 24/01/2023