Comunicação do Presidente da Cáritas Portuguesa no encerramento do Conselho Geral da Cáritas
Neste momento, as nossas atenções estão concentradas na população martirizada na Região Autónoma da Madeira. Estamos totalmente solidários com as vítimas da calamidade e com suas famílias. Expressámos já as nossas mais sentidas condolências, através da Cáritas Diocesana do Funchal.
A tragédia na Madeira convida a Cáritas, e cada um de nós, a intensificar e ajustar a nossa acção social para a erradicação da pobreza, e a favor do desenvolvimento humano. A actividade mais básica, e mais ancestral, desta acção é a de assistência e emergência. No caso da Madeira, estamos a investir todo o nosso esforço nos trabalhos de emergência. Registo, com o maior apreço e reconhecimento, a forte adesão das Cáritas Diocesanas e de toda a população. O esforço irá prosseguir durante o tempo necessário para que a população-vítima da catástrofe disponha do mínimo de condições para uma vida condigna.
Entretanto, dentro em breve, justifica-se trabalhar afincadamente na normalização das condições de vida no quadro de um desenvolvimento sustentável; desenvolvimento que, tanto quanto possível, contribua para não ocorrerem catástrofes tão tão graves como a actual. Para isto, justifica-se atribuir a mais alta prioridade à criação de grupos de acção social em todas as paróquias, integrando representantes de todas as zonas de cada uma. A estes grupos compete especialmente: o conhecimento e acolhimento das situações de carência; a prestação das ajudas possíveis; a mediação junto das entidades competentes para as soluções de fundo necessárias; e a própria formulação de propostas, mesmo de natureza política, para que as soluções de fundo sejam garantidas. Seria altamente recomendável que, a nível paroquial, tais grupos participassem activamente nos processos de desenvolvimento local; e, sempre que estes não existam, contribuísse para que fossem desencadeados.
Daqui decorre o imperativo de a Cáritas se centrar na paróquia, através das seguintes actuações: a prestação de apoio técnico e de formação aos grupos paroquiais de acção social, bem como o tratamento da informação recebida deles sobre os problemas sociais e as hipóteses de solução; com base nisso, as Cáritas diocesanas e a nacional deveriam ainda elaborar as suas propostas e submetê-las às entidades competentes para a adopção das medidas necessárias. Dir-se-á que se torna indispensável uma comunicação interactiva permanente das Cáritas diocesanas e nacional com os grupos paroquiais, visando a prevenção e a solução dos problemas sinalizados. Com efeito, no centro de toda a nossa acção, encontram-se esses problemas e, sobretudo, as pessoas e famílias que os vivem. Agindo assim, participaremos, com mais autenticidade, no «Ano Europeu de Combate à Pobreza e à Exclusão social».
Acerca da centragem da Cáritas na acção paroquial, surgiram no passado algumas dúvidas que, salvo melhor opinião, se encontram já ultrapassadas. Com efeito a criação dos grupos não incumbe à Cáritas, mas sim às paróquias, designadamente aos párocos. A missão da Cáritas é a de apoio e congregação de esforços, em ordem a uma intervenção concertada em todo o país. A isto nos obrigam a gravidade extrema da situação na Madeira e, bem assim, a pressão dos problemas sociais registados em todo o território nacional. Muitos destes problemas são endémicos, e foram agravados pela actual crise internacional; outros resultaram da própria crise.
Como é sabido, a linha de orientação que estou a expor não constitui novidade de maior, e não implica o abandono de outras orientações que vêm do passado; sobretudo, não implica nenhuma ingerência da Cáritas Portuguesa nas diocesanas, nem destas nas paróquias. Do que se trata é da intensificação do papel da Cáritas no apoio à animação da acção social da Igreja; esta orientação já remonta aos anos oitenta, a nível internacional, e está consagrada em declarações dos Papas João Paulo II e Bento XVI. Também a Conferência Episcopal Portuguesa já transmitiu orientações muito claras a este respeito; lembro, nomeadamente, a Instrução Pastoral, de 1997, sobre a «Acção Social da Igreja», e a Nota Pastoral, de 2008, sobre «Toda a Prioridade às Crianças». Também o Conselho-Geral da Cáritas Portuguesa já tomou decisões sobre o assunto; e, em conformidade com elas, algumas paróquias já começaram a fazer o tratamento estatístico dos casos sociais atendidos; as Cáritas diocesanas e a portuguesa vêm fazendo a respectiva recolha, visando sempre a procura das soluções necessárias. Recordo que o tratamento estatístico é apenas instrumental, para a reflexão e para a procura das soluções necessárias – mais definitivas ou mais provisórias.
De acordo com a mesma linha de orientação, a Cáritas Portuguesa já remeteu algumas exposições a membros do Governo, chamando a atenção para problemas diversos, e propondo hipóteses de solução. Quanto mais se intensificar a intercomunicação com as Cáritas diocesanas e, destas, com as paróquias, mais se enriquecerão as nossas intervenções junto dos decisores políticos e de outras entidades.
Iniciei estas minhas palavras com a presença das vítimas da catástrofe na Madeira. Não as esqueci, um só instante, enquanto vos falei. E, agora, a terminar, exprimo a maior confiança na solidariedade de todos nós; exprimo, igualmente, a minha esperança de que, mediante a acção local e a nossa cooperação, decorra a bom ritmo a normalização das condições de vida, no quadro de um desenvolvimento verdadeiramente sustentável. Espero também que o exemplo da Madeira constitua um forte estímulo para que todas as Cáritas diocesanas enveredem decisivamente pelo caminho pioneiro que a Cáritas Diocesana do Funchal já começou a trilhar. Bom seria que, daqui a cerca de um ano, reuníssemos, em território madeirense, o próximo Conselho Geral ou mesmo uma assembleia social (com esta ou outra designação), para fazermos a nossa análise do ponto de situação relativo à superação dos efeitos da catástrofe, e também ao «combate à pobreza e à exclusão social em todo o país; nessa mesma oportunidade, renovaríamos os nossos compromissos de solidariedade, ou melhor de caridade, no sentido mais exigente do termo.
Encontramo-nos em tempo quaresmal. Vivendo, nele, a paixão e morte de Jesus Cristo, certos da sua ressurreição, vivemos também o sofrimento dos nossos irmãos da Madeira e de todos os povos. A mensagem papal insere-nos profundamente neste espírito, e responsabiliza-nos claramente pelo nosso compromisso social. Aí se afirma que: «(…) o cristão é levado a contribuir para a formação de sociedades justas, onde todos recebem o necessário para viver segundo a própria dignidade de homem e onde a justiça é vivificada pelo amor».
Eugénio Fonseca
Presidente da Cáritas Portuguesa