Proteger os mais vulneráveis
Proteger os mais vulneráveis
por Conor O’Loughlin da Trócaire (Caritas da Irlanda)
Existe uma narrativa constante na catástrofe haitiana sobre os níveis de caos e violência que têm perturbado os fluxos de ajuda mas, como referiu o responsável de ajuda humanitária das Nações Unidas, John Holmes, “todos os desastres são caóticos porque o caos advém, precisamente, das catástrofes, independentemente da origem – natural ou humana.”
A experiência ensina-nos que, em situações como esta, a voz dos mais indefesos, já de si vulneráveis a abusos, fica mais inaudível. É algo que afecta, particularmente mulheres, crianças, idosos e doentes. A ajuda de emergência, mesmo neste cenário, tem chegado a muitas pessoas (só a Cáritas já distribuiu alimentos a mais de 100 000) e agora que nos movemos lentamente para a fase reabilitação, devemos ter presente um novo conjunto de preocupações.
Há medida que o pó assenta, é possível ter um quadro mais claro das necessidades e sabermos, com maior precisão, onde devem incidir os nossos esforços. Temos de pensar além das necessidades básicas pois a comida não vai manter as comunidades seguras e a água não vai proteger as pessoas da violência.
A juntar ao número devastador de mortos, centenas de milhares de famílias estão desalojadas e deslocadas dos seus lares. A grande maioria permanece em campos informais de deslocados, onde as armas estão facilmente disponíveis.
Os meios de subsistência foram destruídos com o sismo, muitas famílias separam-se forçosamente e não sabem do paradeiro dos seus entes queridos. Sem a protecção dos líderes do agregado familiar, muitas crianças e dependentes não têm quem os defenda. As crianças constituem quase metade da população afectada (48%) e muitas estão profundamente traumatizadas.
Enquanto continuamos a lidar com as consequências do sismo, não podemos permitir que se instale uma situação de vazio legal, na qual os direitos humanos são violados e os crimes perpetrados, sem receio das consequências. Desde os primeiros passos desta intervenção humanitária, que temos tentado dar uma resposta que vai para além das necessidades materiais. Temos promovido, também, uma resposta que garanta a protecção e segurança dos mais vulneráveis.
Queremos que a ajuda humanitária chegue a todos, de forma equitativa, e não apenas aos mais fortes e mais audíveis. Vamos além das filas de distribuição que se formam nas imediações dos campos. Procuramos as mães que estão a cuidar dos seus filhos doentes e não podem sair do acampamento ou os idosos que não conseguem chegar a tempo à distribuição pois devido ás suas debilidades, agravadas pela sede e fome, são ultrapassados por gente mais jovem e com uma voz mais forte.
O enfoque que a Cáritas tem dado à protecção dos civis, vítimas inocentes das calamidades ou conflitos, tem tido um crescente reconhecimento internacional. Na cimeira de verão das Nações Unidas, em 2005, 109 governos reconheceram publicamente a importância de proteger os civis.
Mas o que é esta protecção? Na essência, pretende-se que os civis não sofram nenhuma forma de violência, discriminação ou privação durante a crise humanitária. Como é que isso pode ser feito? Á primeira vista, pode parecer uma tarefa colossal – e em muitos aspectos não se conseguem os resultados pretendidos – mas, por vezes, podem ser coisas tão simples como iluminar os caminhos no campo de deslocados, de forma a que as crianças e as mulheres não os tenham de percorrer no escuro, ou construir latrinas e duches para homens e mulheres.
A nossa habitação, além de garantir segurança, protege a nossa dignidade. Através do trabalho sustentamos a nossa família e ajudamos a comunidade. Sem estes elementos ficamos numa situação de vulnerabilidade extrema. No Haiti, as preocupações são inúmeras. Um milhão de pessoas está, neste momento, sem abrigo. Os campos de desalojados, criados de forma espontânea, como os de Port-au-Prince, podem levar a situações de maior tensão ou aumento de violência entre grupos e famílias.
Temos que assegurar que a resposta humanitária internacional providencia alimentos, água e abrigo, que salva vidas mas, também, que proteja de abusos, violência e exploração dos mais vulneráveis.
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