Muhammad Yunus passou por Lisboa e explicou a contribuição do microcrédito para a paz
“Os pobres merecem crédito” – defendeu ontem (22 de Março), Muhammad Yunus, Prémio Nobel da Paz em 2006, na Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa. E acrescenta logo de seguida: “Se alguém disser o contrário eu digo que é mentira”. Nascido no Bangladesh, que se tornou independente do Paquistão em 1971, este professor universitário leccionava nos EUA quando se deu a separação. “Não foi um processo fácil porque se derramou muito sangue” – disse. A euforia inicial “tornou-se um pesadelo”.
Ao saber que o seu país estava naquele estado lastimoso, Muhammad Yunus decide voltar para a pátria. “Fui ensinar Economia” mas junto ao campus universitário “via pessoas morrerem à fome”. As salas de aula “pareciam cinema” porque “lá fora a realidade era diferente” – sublinhou na sua conferência sobre «Microcrédito: um contributo para a paz».
A universidade da aldeia
A situação agrava-se com o “passar dos dias”. Apesar da “arrogância de ter o doutoramento, tinha de fazer algo” porque “ver fome junto à Universidade era terrível”. O prémio Nobel da Paz sentiu que poderia ser útil ao seu povo. “Àqueles que viviam sem nada junto ao estabelecimento de ensino”. Depois das aulas, o professor Yunus ia às aldeias vizinhas para aprofundar as razões de tal pobreza. “A aldeia passou a ser a minha universidade” – garantiu aos presentes na Fundação Calouste Gulbenkian.
Se na carreira académica, a abstracção era o caminho, na aldeia o que “contava era os seres humanos que viviam na pobreza extrema”. E utiliza uma expressão curiosa: “a minhoca anda devagar mas chega ao destino”. Este foi o ponto de partida para abordar os habitantes pequena povoação. Depois de observar uma mulher que fazia bancos com bambus – “verdadeiras obras de arte” – perguntou-lhe, depois de várias tentativas, quanto ganhava com o seu trabalho. “25 cêntimos” – foi a resposta da habilidosa senhora. “Não era possível aquele trabalho valer somente aquela verba” – relata.
A primeira luz do Grameen Bank
Com curiosidade de economista, Yunus aprofunda o porquê daquela situação. “Percebi que a senhora tinha pedido dinheiro emprestado para fazer os bancos e, em contrapartida, o agiota fica com o material ao preço que mais lhe convêm” – declarou. Os pobres ficavam cada vez mais pobres porque outros habitantes da aldeia recorriam também a agiotas. “Era um negócio que tornava as pessoas escravas”. “Fez-se luz e decidi pagar estes empréstimos (cerca de 27 dólares)” – disse o Prémio Nobel.
Com tal atitude, Muhammad Yunus passou a ser visto “como um anjo” – relatou. E brinca: “Um anjo por 27 dólares”. Com a ajuda de alunos, a pesquisa e os inquéritos continuaram. Depois de reparar na burocracia dos bancos tradicionais, Yunus decide criar um banco que “trabalha numa lógica invertida”. E explica: “quanto menos tiveres, mais interessados estamos em ti”. Nasceu Grameen Bank (Banco da Aldeia)
Se, inicialmente, o recrutamento de funcionários parecia um entrave, com o passar dos tempos “os jovens empregados sentiam-se úteis”. “Preferiam o contacto com os pobres da aldeia em detrimento dos luxos da cidade” – descreveu. Hoje, o Grameen Bank tem cerca de 24 mil empregados que procuram pobres “para emprestar dinheiro”. Ao contrário dos bancos tradicionais, o banco fundado por Yunus vai a casa das pessoas. E conta dados curiosos: “Se a casa tiver mais de uma divisão ou então se tiver algumas mobília o potencial cliente não interessa”.
Incutimos coragem nas pessoas
Como no Bangladesh existe a tradição de não pedir dinheiro emprestado, “nós incutimos coragem nas pessoas”. E avança: “não somos agiotas. Funcionamos à base da confiança”. Para recorrerem ao microcrédito, o Grameen Bank não quer garantias bancárias nem a história pessoal do cliente. “A melhor apresentação é: voçê é um ser humano”. Como não estão interessados no passado das pessoas mas no futuro, Muhammad Yunus sublinha que “temos cerca de 7 milhões de clientes e 97% destes são mulheres”.
De onde vem o crédito? “Aceitamos depósitos – até damos uma boa taxa de juro – que serve para, posteriormente, emprestar aos mais necessitados” – respondeu. Logo de seguida, o Prémio Nobel da Paz realça que os clientes a quem emprestam dinheiro “também poupam”. “Cerca de 70% dos depósitos são de clientes que emprestámos dinheiro”.
A filosofia do Grameen Bank tirou da miséria muitos habitantes do Bangladesh. “No nosso país a pobreza está a diminuir e iremos cumprir um dos objectivos do milénio – reduzir a pobreza para metade – até 2015”. Graças ao microcrédito, o estatuto da mulher naquele país mudou. “A taxa de natalidade caiu drasticamente e a mortalidade infantil baixou imenso” – revelou. E concluiu: “com o microcrédito contribuímos para uma sociedade mais justa”.
Fonte: Agência Ecclesia