Migrações e Desenvolvimento: entrevista a Shannon Pfohman, da Cáritas Europa
Shannon Pfohman é diretora de Política e Advocacy na Cáritas Europa e esteve em Lisboa, na Fundação Gulbenkian, para participar na Conferência ‘Construir uma Europa Social’, nos dias 29 e 30 de novembro, que assinalou o primeiro aniversário da adoção do Pilar Europeu dos Direitos Sociais. Esta conferência foi promovida pelo grupo Plataforma Social formada por 49 redes de organizações não-governamentais, entre elas a Cáritas Europa.
Na sua passagem por Portugal, conversou com a Cáritas Portuguesa sobre a dimensão social da Europa, migrações e desenvolvimento, e sobre o futuro do projeto europeu:
Cáritas Portuguesa: Um ano depois, qual a sua visão sobre o Pilar Europeu dos Direitos Sociais? Está a Europa no caminho certo para uma sociedade mais inclusiva?
Shannon Pfohman: Essa é uma questão muito importante: saber se a Europa está no caminho certo para ser uma Europa mais inclusiva do ponto de vista social. Na verdade, isto é muito questionável! Nesta Conferência estivemos a debater algumas questões relacionadas, por exemplo, com o aumento do emprego.Hoje há mais empregos disponíveis para as pessoas, mas o desemprego jovem, por exemplo, permanece num nível muito elevado. Sabemos que desde a crise financeira de 2008 as pessoas ainda estão a debater-se com muitas dificuldades e a maior questão prende-se precisamente com o facto de as pessoas estarem a trabalhar, mas não estarem a ganhar o suficiente para responder às suas necessidades. Não têm um salário suficiente para manter o seu nível de vida, para apostarem na educação dos seus filhos ou até mesmo, porque não, poderem ter o direito a gozar férias.
Cáritas Portuguesa: A dimensão social é crucial para o desenvolvimento de qualquer pessoa, comunidade ou país. Neste sentido, o Pilar Europeu dos Direitos Sociais tem também um papel a desempenhar para impulsionar a Agenda 2030 e os seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), sendo que reduzir as desigualdades é um destes Objetivos.
Shannon Pfohman: Quando falamos de combater as desigualdades ou reduzir as desigualdades como é mencionado no #ODS10, nós temos ainda muito para alcançar no mundo e também na Europa. Se olharmos em particular para a situação na Europa, nós sabemos que as pessoas estão a batalhar diariamente por questões relacionadas com a igualdade. As mulheres batalham por um salário igual ao dos homens, por iguais condições laborais. Quando falamos em reconhecimento e liberdade de participação é também ainda algo que ainda foi alcançado plenamente. Vemos desigualdade quando falamos mesmo em quem é que tem, ou não, direito a aceder aos seus direitos. Muitos migrantes e refugiados que estão a chegar à Europa, que precisam de apoio e proteção, procuram aceder aos seus direitos, como é o caso dos pedidos de asilo. Embatem em políticas de grande restrição que estão a ser aplicadas por vários países europeus. Isto são apenas dois exemplos. A Europa tem ainda muito para fazer no que diz respeito ao combate às desigualdades. A pobreza continua a ser um problema na Europa e assistimos a um aumento deste fenómeno em que as pessoas enfrentam enormes dificuldades para, a partir do seu salário, adquirirem uma casa, ou pagarem a sua renda. Este é um outro problema que enfrentamos, o da habitação social. Por esta razão, muitas pessoas e famílias estão a empobrecer por não terem capacidade de sustentar as suas habitações e cobrir os custos básicos de vida.
Quando falamos de combater as desigualdades ou reduzir as desigualdades como é mencionado no #ODS10, nós temos ainda muito para alcançar no mundo e também na Europa.
Cáritas Portuguesa: A Agenda 2030 foi construída sob a premissa de não deixar ninguém para trás. Todos os dias somos confrontados com notícias sobre migrantes e refugiados que chegam à Europa, e a outros destinos, e este é um assunto sensível, tanto na esfera pública como política. Estes migrantes, que incluem refugiados, os que procuram asilo, migrantes económicos, e as suas famílias e filhos, são particularmente vulneráveis. Em que sentido?
A realidade das estatísticas mostra-nos que já não existe um número assim tão grande de migrantes e refugiados a quererem atravessar as fronteiras da Europa. Os números estão a diminuir desde 2015. E já não é totalmente verdade que há muitas pessoas a querer entrar na Europa. Mas, por outro lado, aqueles que já cá estão, por exemplo, os muitos que chegaram em 2015, estão ainda em situações de acolhimento muito difíceis. Estão, por exemplo, na Grécia, onde as condições de vida são extremamente difíceis. As mulheres e crianças que estão a viver nestes centros de acolhimento para refugiados são particularmente vulneráveis. Muitas são vítimas de tráfico, de violação e de tortura. Isto acontece depois de já terem sobrevivido a situações de grande trauma na Síria e outros locais de onde estão a fugir. A vulnerabilidade destas pessoas, em particular de crianças e mulheres jovens, é muito séria. As crianças não acompanhadas são outro grupo que vive sob grande fragilidade. Isto significa que as crianças que vêm para a Europa, sem estarem acompanhados pelos pais, necessitam de proteção e apoio de adultos que os possam ajudar a tomar decisões sobre o seu futuro.
Cáritas Portuguesa: Por outro lado, os migrantes também contribuem para a construção do futuro da Europa, em várias dimensões, ao mesmo tempo que contribuem para o desenvolvimento dos seus países de origem. A Cáritas Europa, juntamente com 11 outras Cáritas nacionais, incluindo Portugal, está a implementar o projeto MIND – Migrações, Interligação, Desenvolvimento, com o financiamento da Comissão Europeia, para promover um melhor entendimento sobre a relação entre Migrações e Desenvolvimento. Como é que é feita esta relação?
Migrações e Desenvolvimento são quase sempre vistos como coisas separadas. De um lado as Migrações, e do outro o Desenvolvimento. As pessoas nem sempre se apercebem de que há uma forte ligação entre os dois. Com o projeto MIND, que a Cáritas está a desenvolver nestes países, temos esse objetivo: fazer as pessoas entenderem que esta relação existe e que é fundamental. Estamos a desenvolver uma publicação chamada “Casa Comum” com a qual queremos precisamente clarificar esta relação e deitar por terra alguns conceitos mal-entendidos. Estamos a fazer este trabalho de modo a oferecer informação baseada em dados concretos, estatísticos, e também na experiência e exemplos das Cáritas nacionais, incluindo Portugal.
Migrações e Desenvolvimento são quase sempre vistos como coisas separadas. De um lado as Migrações, e do outro o Desenvolvimento. As pessoas nem sempre se apercebem de que há uma forte ligação entre os dois. Com o projeto MIND, que a Cáritas está a desenvolver nestes países, temos esse objetivo: fazer as pessoas entenderem que esta relação existe e que é fundamental.
Temos todos de ter consciência de que, em muitas situações, não existem efetivamente condições para que as pessoas tenham uma vida com dignidade e que, por isso, elas são obrigadas a sair dos seus países. Porque a pobreza é de tal maneira severa que as pessoas não têm condições de acesso à saúde, à educação, não têm infraestruturas. As pessoas têm o direito de poder sair dos seus países para fugir a este tipo de situações, mas o contrário também tem de ser um direito. Todas as pessoas têm o direito de permanecer nos seus países se assim o quiserem. É, por isso, fundamental que haja políticas de desenvolvimento sustentável que permitam às que as pessoas poderem permanecer nos seus países e que lhes dê a possibilidade de terem um emprego, frequentarem as escolas, terem acesso à saúde. Isto significa poder viver num desenvolvimento integral, no seu próprio país.
Cáritas Portuguesa: Há quem veja as migrações como um problema e há quem as entenda como uma oportunidade…
A Cáritas Europa olha para as migrações como uma oportunidade. Como algo muito positivo para todos. Até mesmo na nossa experiência de vida diária podemos encontrar os aspetos positivos das migrações. A troca de experiências de vida, a partilha de culturas, de tradições, a possibilidade de conhecer outras formas de viver e de trabalhar. Tudo isto nos enriquece. Se olharmos para a nossa história, são muitos os benefícios e a inovação que recebemos, e que fazem parte da nossa cultura europeia. É importante valorizarmos a chegada de migrantes à Europa como algo muito positivo, porque o é na verdade.
Cáritas Portuguesa: As próximas eleições para o Parlamento Europeu, em maio de 2019, vão ser muito importantes. Mas há ainda uma taxa de abstenção muito grande por parte dos cidadãos europeus, incluindo os mais jovens. O que é que está em questão?
Para a Cáritas Europa é muito importante o envolvimento nestas eleições e a participação pelo voto, particularmente no que diz respeito à defesa das políticas sociais, as políticas sobre migração e asilo e as políticas de desenvolvimento e humanitárias. Estas
polí
ticas vão estar a ser trabalhadas por aqueles que forem eleitos para estar no Parlamento e nas instituições europeias, a partir de maio.
É, por isso, importante que consigamos garantir que as pessoas que se preocupam e que se envolvem com os valores que a Cáritas defende possam também exercer o seu poder de influenciar as futuras legislações e políticas que venham a ser adotadas, de modo a que ninguém fique para trás.
Cáritas Portuguesa: Estamos perto da adoção do Pacto Global das Nações Unidas para as Migrações, durante a próxima Conferência Intergovernamental que irá acontecer em Marrocos, nos dias 10 e 11 de dezembro. Contudo, nas últimas semanas a lista de países que expressaram a sua intenção de não assinar nem integrar este novo Pacto Global tem aumentado, e a grande maioria são países europeus: Hungria, República Checa, Eslováquia, Itália, Áustria, Bulgária, Croácia, Polónia, e até a Suíça.
A Cáritas Europa acredita na importância deste Pacto e estamos muito contentes com aquilo que se conseguiu alcançar até agora, com todos os países que se envolveram neste acordo que defende os direitos dos migrantes. Naturalmente que a posição assumida por estes países, que se retiram agora deste novo Pacto Global, é para nós muito preocupante. Nós acreditamos que todas pessoas devem estar abrangidas por um sistema baseado no desenvolvimento integral e este Pacto Global contribuiu para isso. Sem ele nós interrogamo-nos e questionamos sobre quais as posições que estes Estados Membros estão a defender, ao não colocarem as pessoas em primeiro lugar.
Nós acreditamos que todas pessoas devem estar abrangidas por um sistema baseado no desenvolvimento integral e este Pacto Global contribuiu para isso. Sem ele nós interrogamo-nos e questionamos sobre quais as posições que estes Estados Membros estão a defender, ao não colocarem as pessoas em primeiro lugar.