Cuidadores informais ou familiares?
«CUIDADORES INFORMAIS»?
Já se fala, há muito, dos «cuidadores informais»; e, felizmente, a questão foi mais assumida agora no contexto da proposta de lei de bases do Serviço Nacional de Saúde. Na verdade esta realidade existiu sempre, na prestação de cuidados em casa a pessoas que precisam do apoio de outrem, devido à idade, a doenças, deficiências ou acidentes graves. Tal realidade ainda não foi devidamente assumida nem sequer clarificada; por isso bem se compreende que a própria designação reflita a discriminação negativa, ou de apreço insuficiente, que a prejudica.
Há quem não aceite bem a palavra «cuidador», preferindo-lhe «prestador de cuidados»; trata-se de uma observação com pertinência, mas talvez não justifique elevada prioridade. Pelo contrário, o adjetivo «informais» justifica muitas reservas; na verdade, ele remete para algo de incaracterístico, não qualificado, porventura sem identidade própria, quando a realidade em presença é exatamente o contrário disso. O cuidador – que, ao longo da história, foi sobretudo a mulher – tem um caráter bem definido, inerente à assunção de pesadas responsabilidades diárias, não raro ao longo de vinte e quatro horas por dia; tem uma qualificação específica resultante da tradição, da sua experiência, das aprendizagens conseguidas e também dos improvisos e descobertas feitas ao longo da vida; na base de tudo isto, detém a sua própria identidade, com um projeto de vida que, muitas vezes, é sacrificado ou se adapta e enriquece na prestação de cuidados.
Por isso, configura-se razoável a substituição do adjetivo «informais» por «familiares», ponderando que: (a) A atividade em causa se exerce, em geral, no domicílio e no seio de uma família ou convivência comparável; mesmo que se trate de uma pessoa isolada, não deixa de estar presente a realidade familiar; (b) O qualificativo «familiar» confere identidade e qualificação específica à atividade, mesmo que o/a cuidador/a não pertença à família da pessoa apoiada; (c) O mesmo qualificativo assume a centralidade da família, qualquer que ela seja, e de convivências semelhantes.
As medidas políticas recomendáveis, a favor dos/as cuidadores/as, deveriam revestir, fundamentalmente, as formas de reconhecimento da cooperação interpessoal e de apoio institucional, financeiro, fiscal e de segurança social: (a) Na cooperação interpessoal, incluem-se em especial a entreajuda de proximidade e os grupos de voluntariado social que, muitas vezes, apoiam e complementam os/as cuidadores/as e as famílias em que eles/as atuam; (b) No apoio institucional, relevam-se os centros de saúde, ou unidades de saúde familiar, as instituições particulares de solidariedade social mais próximas e os serviços de ação social do Instituto da Segurança Social e das autarquias locais. Este apoio já constitui uma prática generalizada; precisa de ser mais intensificado, melhor enquadrado e articulado; (c) Relativamente ao apoio financeiro, fiscal e de segurança social, subsistem ainda bastantes dúvidas; no entanto, espera-se que, através de organizações representativas dos/das cuidadores/as, bem como de estudiosos, do Estado e de outras entidades, se clarifiquem os tipos de apoio mais adequados e os/as seus/suas destinatários/as.
Acácio F. Catarino
Núcleo de Observação Social da Cáritas Portuguesa
Publicado no semanário «Região de Cister» no dia 3 de janeiro de 2019