COVID-19: Quando chega a hora de um amor inteligente e criativo
Diante da situação que estamos a enfrentar por causa desse vírus que tomou de assalto o mundo inteiro, trazendo consigo o medo, isolando famílias inteiras nas suas casas, perguntamo-nos como viver esse momento? Como vivê-lo na fé?
Sem esperar por isso, somos forçados a viver uma Quaresma no modo de “quarentena”, e digo para mim próprio: que oportunidade para uma conversão sincera!
Curiosamente, quando nos pedem para evitar o exterior para não infetar ou ser infetado, é quando o nosso interior, o nosso coração, pode ser transformado. Não há dúvida de que algo está a mudar.
Também me pergunto o que podemos aprender com tudo isso que está a acontecer, porque se é importante saber o que aconteceu e porquê, é ainda mais importante descobrir o que temos de fazer e aprender.
Numa sociedade baseada na produtividade e no consumo, somos forçados a parar para aprender a viver de maneira diferente. Num modelo social em que pensar em si mesmo e nos próprios interesses é a “norma”, o coronavírus envia-nos uma mensagem clara: a única maneira de sair dessa situação é pelo compromisso, fazer emergir em nós o sentimento de ajuda ao próximo, de pertença a uma família, a uma comunidade, a um país, sendo um pouco maior que a própria individualidade, corresponsabilidade, sentindo que o destino dos outros depende das minhas ações e que eu dependo delas.
Sinceramente, acredito que, se vivermos esta crise de saúde pública, com repercussões económicas e sociais, a partir de critérios verdadeiramente humanos, de responsabilidades partilhadas, cada um assumindo a sua missão, tudo isso pode ser um ponto de partida para outro caminho. Viver, para outro mundo possível, como dizemos na Cáritas.
Esta situação confronta-nos com a nossa própria vulnerabilidade: a qualquer momento, podemos testar positivo. Reconhecer essa vulnerabilidade é a maneira de enfrentar um “bug” que ameaça a nossa vida em comum, nos isola e, ao mesmo tempo, nos faz ver a grande mentira do individualismo; nos faz perceber que precisamos uns dos outros, que não temos vida se não for partilhada, que é impossível ser, se não for com os outros. Em suma, adverte-nos para a importância da união e do bem comum.
O que estamos a viver mostra de uma nova forma que a dor e o sofrimento nos unem e podem aumentar em nós o amor ao próximo. Precisamente, a dificuldade de entrar em contacto físico exigirá um amor inteligente, criativo e operativo, capaz de novas formas de presença.
São João Paulo II encorajou-nos a lançar a imaginação sobre a caridade. Eu percebo nestes momentos que o amor criativo de tantos pais, que inventam tarefas e jogos para os filhos, tentando combiná-los, além disso, com o teletrabalho; em tantos professores, que não interrompem o seu trabalho educacional ou o seu apoio aos alunos; em tantos profissionais de todas as áreas, servidores públicos (profissionais de saúde, pesquisadores, camionista, limpezas…), que cuidam e possibilitam que a vida neste país não pare completamente; naqueles líderes políticos que, com uma mente elevada, articulam medidas económicas e sociais para não deixar ninguém para trás; em todos aqueles que vivem em jejum e na abstinência quaresmal, tornando real o slogan “fique em casa”; em tantos voluntários que, pessoalmente ou nas suas organizações sociais, eclesiais ou civis, continuam lá, com generosidade, a favor dos mais fracos da sociedade. Em tantos religiosos e padres que oram e celebram a Eucaristia, recebem e ouvem os seus paroquianos, incentivando-os na esperança que vem de Deus.
Chegou a hora de uma instituição de caridade criativa e responsável dizer aos mais vulneráveis: não vamos deixar-vos!
É hora de testemunhar o evangelho da misericórdia e tornar presente a proximidade de Deus. É hora de inventar novas formas de presença, para que não fiquemos apenas “conectados”, mas também ligados. É hora de agradecer a gentileza e generosidade de tantas pessoas que se arriscam e se entregam, prontas para perder, mas amando as suas famílias, vizinhos, concidadãos e os mais pobres.
Texto: Vicente Martín Muñoz, delegado episcopal da Cáritas Española