Laudato Si: Novos comportamentos para respeitar a natureza
Quando o Papa Francisco tomou posse como chefe da Igreja Católica, na Praça de S. Pedro, falou na sua homilia sobre dois tópicos que iríamos encontrar frequentemente nos seus discursos e comportamentos, e que foram surpresa para muitos: o meio-ambiente e a sensibilidade. Na encíclica Laudato Si’, ele desenvolveu uma estratégia sobre ecologia, em Amoris Laetitia lemos sobre sensibilidade, e no ano especial de misericórdia (2016) ele aliou os dois. Em Evangelii Gaudium ele lançou a base pastoral para tal.
Sabemos algumas palavras-chave do Laudato Si’, que vou enumerar: ‘Tudo está interligado’ (91), ‘uma sociedade de desperdício’ (21), ‘temos que desacelerar ‘ (114), ‘menos é mais’ (222), e ‘quanto mais vazio é o coração de uma pessoa, mais ela precisa de coisas para comprar, ter e consumir’ (204). Há muitas frases nas quais podemos descobrir o significado mais profundo do Papa Francisco, não apenas em Laudato Si’, mas também noutros documentos. Basicamente, gostaria de refletir a partir do número 222 até ao 226 do Laudato Si’, para ler o seu pensamento.
Em relação à ecologia ele diz: ‘Uma cultura ecológica não deve ser reduzida a uma série de respostas urgentes e parciais para os problemas imediatos da poluição… Precisa de existir uma maneira distinta de olhar para as coisas (LS 111). Na exortação apostólica Querida Amazonia, ele dá o seu ponto de vista com audácia em relação ao mesmo assunto. Ao responder à pergunta sobre mulheres diáconos diz: ‘Isto convoca-nos a alargar os nossos horizontes, em vez de restringirmos o nosso entendimento da Igreja em relação às suas estruturas funcionais’ (QA 100) e continua afirmando: ‘A região da Amazónia desafia-nos a transcender perspetivas limitadas e soluções ”pragmáticas” mergulhadas em abordagens parciais, com vista a procurar caminhos de inculturação que são mais amplos e ambiciosos” (QA 105). Por fim, usando a palavra ‘transbordar’ ele explica ‘que as soluções são encontradas através da transcendência da contraposição que limita a nossa visão e do reconhecimento de um dom superior que Deus está a oferecer’ (QA 105)
Depois de ler o texto completo de Laudato Si’ e outros documentos do Papa Francisco, afeiçoo-me de tal maneira que me sinto preparado para compreender o que é que ele realmente quer dizer nas páginas finais. Em Amoris Laetitia, refere-se a questões educacionais e relacionais da família, e apenas em 300 § é que ele dá a chave para compreender o documento, divulgando o método de discernimento. Em Evangelii Gaudium, descobrimos o que uma Igreja missionária realmente precisa, nos números a partir do 262 §: ‘Evangelizadores cheios de espírito são aqueles que rezam e trabalham’. Em Querida Amazónia, a parte conclusiva é: ‘A expandir horizontes para lá dos conflitos’, afirmando que ‘tudo é resolvido num plano divino… Senão o conflito faz-nos cair numa armadilha’ (QA 104). Até a essa secção ele fala sobre as suas preocupações em relação ao que acontece na sociedade, na Igreja e na família, mas acaba por nos abrir a sua mente, falando sobre a sua verdadeira preocupação e sobre a solução dos problemas enquanto Cristão, lendo as escrituras e voltando-se para Deus em oração e discernimento.
Em Laudato Si’, Francisco refere-se a problemas enraizados e a hábitos comerciais na sociedade atual, causados pelo progresso tecnológico, por um desejo ilimitado de dominar a Terra, deixando para trás questões éticas ou a dignidade de cada pessoa. O que importa é retirar benefícios económicos e financeiros. Ele apela a um diálogo constante entre todos os componentes da sociedade, tendo especialmente em conta a dignidade de cada pessoa humana. Além disso, toda a criação merece respeito e preocupação pela sua dignidade. Todos os seres humanos, saudáveis ou não, com deficiência ou com uso pleno das suas capacidades, jovens ou idosos, têm o direito de viver a sua vida ao máximo, contando com o respeito dos outros. O Papa não usa esta bonita máxima, mas ela pode resumir o que ele quer dizer: ‘Deus perdoa sempre, os seres humanos às vezes perdoam, a natureza nunca perdoa’. Isto é um princípio geral, mas o Papa evoca-o regularmente para propor medidas concretas. Em Laudato Si’ § 211 ele sugere, entre outras coisas, evitar usar plástico, separar o lixo, cozinhar apenas o que é necessário e usar preferentemente transportes públicos. Na exortação Amoris Laetitia, ele dá conselhos concretos a jovens casais (AL 223-230), enquanto que em Evangelii Gaudium ele ensina padres como preparar uma boa homilia: ‘Fala com as pessoas da mesma maneira que uma mãe fala com o seu filho’ é o seu conselho (EG 139). Estes ensinamentos concretos tornam mais fácil de compreender e aplicar os quatro princípios nos quais, em várias ocasiões, ele constrói as suas reflexões: ‘O tempo é maior que o espaço’ (EG 222-225); ‘a unidade prevalece sobre o conflito’ (EG 226-230); ‘a realidade é mais importante que as ideias’ (EG 231-299) e ‘o todo é maior que a soma das partes? (EG 234-237). Guiado pela Palavra de Deus e pelo olhar profundo em relação à realidade, na sua perspetiva mais ampla, ele conduz o leitor a estas diretrizes.
Uma espiritualidade cristã ensina-nos a compreender a ‘qualidade de vida’ de uma maneira diferente de como é mantida uma sociedade de consumo. Se considerarmos que o tempo é maior que o espaço, é fácil compreender que, consequentemente, sairmos da nossa zona de conforto para o mundo, onde há pessoas com necessidades, é necessário. Olhando para as inúmeras necessidades das pessoas, não deixamos que os bens de consumo dominem as nossas vidas. O desapego é o melhor caminho para a alegria da partilha e da solidariedade. ‘Menos é mais’ revela a gratidão pelo presente do Criador e permite-nos ‘ser feliz com pouco’ (LS 222). Confronta-nos, ao mesmo tempo, com a questão do que é necessário para cumprir a missão que é dada a cada pessoa. A felicidade é a única coisa que duplica quando partilhada.
‘Quanto mais vazio o coração de uma pessoa é, mais coisas essa pessoa precisa de comprar, ter e consumir’ (LS 204), pois o seu coração está ocupado pelos seus desejos pessoais, não dando tempo e atenção às necessidades dos outros. Pelo contrário, um coração livre irá dar valor aos lírios do campo e aos pássaros no ar. O foco no proveito pessoal irá levar ao desejo de dominar a natureza, de procurar sempre mais dinheiro, prestígio e poder, ignorando e até eliminando pessoas que não se enquadrem neste paradigma. Por fim, atenção pela criação, a ecologia e o clima serão apenas considerados enquanto servirem o meu propósito. Isto é verdade a nível individual, mas traduz-se também no campo das relações internacionais.
Finalmente, o Papa comenta uma atitude que lhe é particularmente querida: não foi concedido ao Homem o direito de dominar a Terra, apenas de ser o seu guardião. O progresso tecnológico mostrou o caminho para explorar a Terra para nosso proveito e para nos tornarmos o mestre supremo dela. O poder em todas as diferentes áreas da sociedade e na Igreja distorce a relação entre a natureza, as pessoas e as nações. A resposta está na humildade e na sobriedade, que leva a uma atitude fraternal bem como a um sentido de responsabilidade pela nossa casa comum.
O Papa Francisco fala sobre Jesus, que esteve ‘completamente presente para tudo e todos, e desta forma ele demonstrou-nos o caminho para superar a ansiedade insalubre, que nos torna superficiais, agressivos e consumidores compulsivos’ (LS 226). Em primeiro lugar, toda a criação deve ser – como um todo e nos seus aspetos particulares – objeto de contemplação, para descobrir a maravilha da beleza e bondade, e aberta ao grande dom do amor que recebemos de Deus e dos nossos vizinhos. Apenas através da contemplação seremos capazes de ultrapassar a tendência para considerar cada parte da criação como objeto separado para tentar possuir e ser capaz de evitar uma abordagem fragmentária com vista a reconhecer que ‘tudo está conectado’. A expressão do teólogo Fr Karl Rahner SJ (1904-1984) foi profética no seu tempo, quando afirmou: ‘Seremos místicos ou não existiremos por completo’, e, o que o Papa Francisco apela na Laudato Si’, deve ser aplicado à COVID-19, convidando toda a humanidade a olhar para formas diferentes de comportamento, com vista a descobrir a verdadeira maneira de respeitar a natureza e fazer da Terra uma casa acolhedora para todos.
+ Msgr. Luc Van Looy
Presidente Cáritas Europa (em fim de mandato)
Tradução: Sónia Rio