Carta aberta de Eugénio Fonseca às Deputadas e Deputados
“Dirijo-me a vós, porque no próximo dia 20 ireis tomar posição sobre o direito ou não dos nossos concidadãos poderem optar pela eutanásia. Escrevo-vos, pois sou um amante da vida. Gosto mesmo de viver. Tenho lutado muito para que o meu semelhante, mais próximo ou mais distante, também tenha o mesmo agrado. Não nego que tenho encontrado muita gente desanimada. Muitos já me têm dito: “assim não vale a pena viver”. Mas este “assim” tem que ver com a falta de rendimentos para subsistir dignamente; com a impossibilidade de ter uma casa habitável ou de aceder a rendas com preços escandalosos; com o cansaço desesperante de há vários anos procurarem trabalho sem o conseguir; com não terem acesso à justiça, ou não suportarem as suas exasperantes demoras e custos, para verem respeitados os seus legítimos direitos; com a existência de uma burocracia monstruosa e ridícula que bloqueia a realização de novos projetos de vida; com a violência a que são sujeitos e sujeitas em contexto familiar, institucional e empresarial sem terem quem, oportunamente, os proteja; com verem, infundadamente, a sua honra atirada à lama social, sem possibilidades de a recuperarem; com o desespero de serem cuidadores de familiares e de vizinhos, durante 24 horas e 365 dias por ano, sem que vejam compensado o seu esforço com rendimentos financeiros adequados, serviços atempados de saúde domiciliários; tempos regulares de descanso para recuperar energias com a ajudas de retaguarda devidamente competentes; com a ansiedade de aguardar meses e meses por uma consulta de uma especialidade qualquer e por uma intervenção cirúrgica, sendo, às vezes, remetidos para estabelecimentos de saúde longe das suas residências e, por isso, com maior dificuldade da presença afetiva dos seus familiares e amigos; com serem institucionalizados contra a vontade própria; com falta de acesso a serviços de saúde que aliviem a dor física e o sofrimento psíquico; com o confronto com a solidão, pelo desprezo dos familiares ou a falta de uma rede básica e estruturada de vizinhança, assente no exercício de um voluntariado informal…e mais “assim” poderia enumerar.
Senhoras Deputadas e Senhores Deputados não vos quero responsabilizar por todas estas limitações ao bem-estar da maior parte do povo português, mas sei que fostes mandatados para, com a cooperação de órgãos intermédios, pensarem estas questões e legislarem, com realismo, de modo a dar mais dignidade à vida. É que a vossa missão é promover melhores condições de existência em todas as suas circunstâncias. O meu apelo é que faciliteis o acesso à VIDA.
Muitas vezes tenho-vos pedido que opteis por “pactos de regime” para vos unirdes em ordem à solução dos problemas mais graves e ao cumprimento de direitos humanos inalienáveis. Nunca o fizestes. Seria agora uma grande desilusão ver-vos unir esforços para tornar mais acessível a morte.
Não me dirijo a vós como católico que sou, pois considero que tudo o que vos referi tem que ver, sobretudo, com a minha condição de cidadão que procura por mais justiça e solidariedade em ordem a uma sociedade mais humanista. Também, porque já estive às portas da morte e sinto-me muito grato a quem tudo fez para me devolver à vida. Bastaram bons cuidados de saúde e uma família muito presente e carradas de ternura dos amigos.
Apostem na vida, por favor.”