Cabo Delgado: “A ajuda não pode parar”
D. Luiz Lisboa, Bispo de Pembra, Cabo Delgado
“Que tipo de novo colonialismo estamos a praticar em relação aos recursos que há em África?” A pergunta em jeito de desafio à reflexão foi deixada por D. Luiz Lisboa, Bispo de Pemba, Moçambique, num encontro online promovido por um conjunto alargado de organizações Católicas que ontem reuniu cerca de 250 pessoas para ouvir, na primeira pessoa, o testemunho daquele que tem sido o principal amplificador da situação vivida na província de Cabo Delgado, Moçambique, que há cerca de três anos é vítima de um conflito que já provocou mais de 2 mil mortes e cerca de 500 mil deslocados.
“Esta discussão tem de ser feita seriamente”, sublinha D. Luiz Lisboa, antecipando que Portugal poderá ter um papel decisivo neste caminho no período em que irá assumir a presidência rotativa da União Europeia, no primeiro semestre de 2021.
O conflito de Cabo Delgado, foi vivido em silêncio durante “demasiado tempo”, lamentou D. Luiz Lisboa, mas hoje já ninguém lhe pode ficar indiferente. Para isso foi decisivo o apoio do Papa Francisco que, em abril, invocou o sofrimento do povo de Cabo Delgado na sua oração do Angelus. Desde então muitas têm sido as manifestações de solidariedade dentro e fora do contexto da Igreja e também na perspetiva ecuménica.
Seguro de que “ninguém vai silenciar a voz da Igreja”, D. Luis deixou aos presentes neste encontro, um plano de ação muito concreto: “Em primeiro lugar rezar por nós e pelo povo. A oração move montanhas. Depois tornar isto conhecido, falar sobre isto com as pessoas e derrubar a indiferença. Falar sobre esta situação e ajudar a que as pessoas se abram para esta realidade. Por fim, na medida do possível, com alguma ação de solidariedade envolver pessoas que possam ter capacidade e vontade de ajudar!”
“Todos somos irmãos, então, quando alguém sofre essa dor deve doer em mim também. Eu não posso ficar indiferente, eu tenho de me unir… que nós todos aprendamos com esta triste realidade e cada um de nós possa fazer a sua parte… seja rezar, seja sendo solidário… todos temos a possibilidade de fazer alguma coisa. Estamos na época do Natal. Como será o Natal dessa gente? Nós sabemos que a história de Jesus é assim… nasceu da maneira que nasceu e depois teve de ser um refugiado. Penso que nós ao celebrarmos o Natal é impossível não pensarmos nestas crianças e famílias que estão a passar todo o tipo de necessidades. É impossível viver o Natal sem pensar neste Jesus. Não esqueçam este Jesus!”
Se na perspetiva eclesial o envolvimento e o apoio têm chegado e são sentidos no terreno, fica ainda a expectativa sobre como poderá terminar este conflito. No entender do Bispo de Pemba, conhecer e atuar sobre a origem desta situação terá de ser a primeira preocupação.
“As forças de segurança têm estado presentes e o governo tem reforçado, mas não conseguem travar. Para resolver a situação o governo fez o que já devia ter feito há muito tempo, que é pedir ajuda!” Este pedido de ajuda lançado pelo governo moçambicano, ao qual o governo português também já respondeu, recai sobre três áreas: formação, material logístico e assistência humanitária.
D. Luiz Lisboa lembra que os motivos deste conflito poderão não estar apenas nas motivações religiosas, mas têm também um fator muito importante na questão económica. “Não é um ataque apenas aos católicos, assim como queimam Igrejas também queimaram mesquitas. É um ataque à população!”
Falando da realidade vivida no terreno e que acompanha diariamente no contacto com a população, D. Luiz Lisboa fala de um povo que perante uma situação de “desesperança” onde há “pais que perderam filhos, pais que vêm as suas filhas serem estão raptadas, crianças sem pais…” há também um povo que dá um testemunho de solidariedade. “Esta guerra tem mostrado o quanto o povo de Cabo Delgado, os pobres, são solidários. O povo de Cabo Delgado está a dar um exemplo de Misericórdia, acolhimento, e eu quero dar esse testemunho de famílias pobres que já têm tão pouco para si e que continuam a acolher outras famílias, partilhando aquilo que têm. E isto é uma prova de que todos podemos fazer alguma coisa.”
Olhando para o que espera o povo de Cabo Delgado nos próximos meses e anos que se seguem, D. Luiz Lisboa reconheceu que o empenho de algumas instituições e pessoas têm reflexos no terreno, mas sublinha que esta é uma ajuda que não pode parar. “Fala-se muito, há muita retórica, mas penso que essas falas e essas boas intenções estão, pouco a pouco, a tornar-se num apoio concreto. Se a guerra acabasse hoje ainda seriam necessários muitos anos para reconstruir o tecido social. Esta ajuda não pode parar. Nós estamos apenas a atender a uma necessidade de emergência. Se a guerra terminar hoje nós temos pela frente anos de reconstrução de vidas.”
A Cáritas Portuguesa em Moçambique
Desde março de 2018 que a Cáritas Portuguesa está a acompanhar as famílias vítimas dos Ciclones Idai e Keneth. O ciclone Idai atingiu, de forma severa, a região central de Moçambique. Segundo dados do Instituto Nacional de Calamidades de Moçambique, a 18 de abril, existiam 603 mortes registadas, mas estima-se que terão sido mais de 1 000 as vítimas mortais do Ciclone Idaí e, mais tarde, do Ciclone Kenneth.
As Regiões Central e Norte de Moçambique estavam já em emergência desde 5 de março de 2019, devido às cheias e a Cáritas estava já no terreno em resposta as estas populações. A passagem dos dois ciclones veio agravar esta situação e para além das vítimas humanas, causou interrupções no fornecimento de energia, nas comunicações em grande escala e cortou as redes rodoviárias.
Cabo Delgado foi uma das regiões que mais sofreu os efeitos do ciclone Keneth, em abril de 2019, tendo destruído casas e plantações, afetando 254.570 pessoas. As chuvas do final de 2019 e início de 2020 inundaram as lavouras e mais da metade da produção foi perdida. A somar a tudo isto está a COVID-19 que tem dificultado o trabalho de ajuda humanitária, que há meses representa 80% do trabalho da Diocese de Cabo Delgado.
A Cáritas continua a trabalhar localmente no apoio a 970 famílias que, depois de estarem nos campos de refugiados criados nas áreas seguras da província, receberam do governo local um pedaço de terra para fazerem as suas casas e poderem cultivar a terra. Esta é a única ajuda que tiveram para começar uma nova vida depois de meses de medo, cansaço e desesperança.”
Para poder dar continuidade e levar o seu apoio a mais famílias, a Cáritas Portuguesa, juntamente com a Cáritas Espanha, inicia um novo ciclo de trabalho em parceria com a Cáritas Diocesana de Pemba. Este apoio passa pela distribuição de alimentos às famílias afetadas pelo conflito no norte de Moçambique nos distritos de Ancuabe, Chiure e Namuno; distribuição de sementes e ferramentas para que os deslocados internos possam retomar o plantio de alimentos; distribuição de materiais de costura e carpintaria para famílias que já exerciam este ofício nos bairros de origem. Estaremos também a promover apoio psicossocial às vítimas dos conflitos armados. Numa resposta direta à COVID-19 será feita a instalação de sistemas de lavagem das mãos e uma campanha de sensibilização e divulgação de meios de proteção e prevenção da COVID-19.
AJUDAR O POVO DE CABO DELGADO
Campanha Juntos por Cabo Delgado
A Cáritas Portuguesa, através do Centro Missionário, da Arquidiocese de Braga, participa na campanha “Juntos por Cabo Delgado”, lançada em julho pela Diocese de Pemba (que corresponde geograficamente com a Província de Cabo Delgado), em parceria com a rede Cáritas em Moçambique e a Universidade Católica de Moçambique.
Resposta de Emergência Cáritas
A Caritas, através da sua rede internacional, responde de forma concreta e local às crises humanitárias, como desastres naturais ou situações de conflitos. Salvamos vidas, aliviamos o sofrimento e ajudamos a reconstruir através de meios de subsistência das famílias e promovendo a resiliência das comunidades a longo prazo. Isso permite que mulheres e homens nas comunidades mais pobres e vulneráveis sobrevivam e se recuperem de crises e vivam em um ambiente mais seguro e protegido.
O Fundo de Emergências Internacionais permite financiar esta resposta de emergência e ajuda humanitária. Como organização internacional, estamos presentes em 160 países, permitindo este fundo responder rapidamente às populações vitimas das mais diversas situações de emergência e calamidade (terremoto, tufão, conflitos armados, crises humanitárias) em articulação com a Caritas Internationalis e com as Cáritas Nacionais nos países atingidos.