Avaliação e aprendizagem: ampliando perspectivas para a eficácia das ONGD
Este texto sintetiza algumas reflexões do trabalho final de mestrado de Renata Assis. A dissertação “Avaliação e eficácia das ONG: ampliando perspetivas para a eficácia das ONGD” resulta da análise que a autora fez do projeto “Cáritas Lusófonas em rede: inovar para o impacto” e foi apresentada em dezembro de 2021 no Mestrado em Desenvolvimento e Cooperação Internacional no ISEG.
Este texto foi publicado no blogue da Oficina Global.
Texto: Renata Assis
Nas últimas décadas consolidou-se a visão de que o desenvolvimento é eficaz quando transforma positivamente a vida das pessoas. Associar os conceitos de eficácia e desenvolvimento aumentou a atenção que é depositada na comprovação de resultados – em termos operacionais a evidência corresponde à eficácia, pois é a relação entre resultados planejados e alcançados. Por conseguinte, o setor da cooperação internacional para o desenvolvimento está cada vez mais a exigir que os projetos adotem uma gestão centrada em resultados, com um conjunto de ferramentas para monitorização e avaliação, de forma a indicar o quê e como foi alcançado.
A avaliação se tornou quase um imperativo em todos os projetos, é uma exigência dos doadores, nomeadamente para prestar contas e atestar resultados. Para as organizações não-governamentais de desenvolvimento (ONGD) isso significa a necessidade de comprovar o impacto de suas intervenções bem como ter mais uma tarefa a executar para demonstrar seus resultados. Mas até que ponto essas avaliações estão de fato contribuindo para eficácia do desenvolvimento?
É importante que as ONGD reconheçam e atestem o impacto do seu trabalho, mas um amplo aproveitamento dos resultados de uma avaliação, de uma forma que contribua para melhorar o desempenho da organização, envolve integrar possibilidades de aprendizagem para intervenções futuras e estratégias de inovação às expectativas relacionadas a comprovação de resultados. Avaliações com ênfase apenas em divulgar resultados podem ter um efeito limitador sobre a eficácia.
Uma reflexão sobre os objetivos da avaliação
A OCED define avaliação como uma “apreciação sistemática e objetiva de um projeto, programa ou política, em curso ou terminado, quanto à sua concepção, execução e resultados. O propósito é determinar a pertinência e o grau de cumprimento dos objetivos, a eficiência em matéria de desenvolvimento, a eficácia, o impacto e a sustentabilidade. Uma avaliação deve fornecer informações credíveis e úteis permitindo integrar as lições da experiência nos processos de decisão dos beneficiários e dos doadores.”
Portanto, a avaliação responde a múltiplos objetivos. Avaliar é uma forma de comprovar resultados, apresentando os efeitos diretos e indiretos de uma intervenção, mas também é um meio para aprender lições e aprimorar intervenções futuras. Os resultados de uma avaliação podem ser usados para integrar processos de aprendizagem ou ainda para desenvolver inovações. Este talvez seja o aspecto central que precisa ser considerado para que a avaliação tenha um contributo maior para eficácia das organizações.
Como não existe um único modelo de avaliação, a escolha de métodos e procedimentos está condicionada ao propósito e objeto da avaliação – para além do tempo e recursos disponíveis. Ter em mente quais são seus objetivos enquanto elabora-se a avaliação é imprescindível para determinar como irá decorrer o processo avaliativo e vai ser fundamental para que seus resultados também sejam aproveitados em termos de aprendizagem. A principal contribuição da avaliação para maximização do impacto das ONGD é possibilitar processos de reflexão que vão permitir que a organização esteja em constante aprendizagem. Nesse sentido, o sucesso de uma avaliação está relacionado à forma e extensão com que seus resultados são integrados pela organização.
Lições de um estudo de caso
No meu trabalho analisei os processos de avaliação do projeto Cáritas Lusófonas em Rede (CLER) – um projeto de capacitação institucional para implementação de standards de gestão na Cáritas Angola, realizado por meio de uma cooperação com a Cáritas Portuguesa. O projeto CLER aplica diversos processos de avaliação ao longo dos três anos de execução, com procedimentos e objetivos diferentes e por isso fornece informações interessantes para explorar os benefícios da avaliação. É de referir que uma especificidade do projeto é iniciar com uma autoavaliação da Cáritas Angola, mas é também essa especificidade que permite, ao comparar com as outras avaliações, perceber como as organizações podem usar a avaliação para estabelecer melhores procedimentos de trabalho e maximizar seu impacto.
Para além das autoavaliações (realizadas no início e fim do projeto) também ocorreram as avaliações que são comuns a maioria dos projetos de cooperação – monitorização, avaliações anuais, avaliação de impacto. Ao olhar para esses diversos processos de avaliação e, principalmente para o objetivo central de cada um deles, percebe-se, claramente, quando a avaliação constitui uma mais valia significativa para a organização, capaz de transformar processos internos e maximizar o impacto nos beneficiários.
No projeto CLER cada uma das avaliações tinha objetivos diferentes e bem definidos e, em certa medida, todas contribuíram para melhora do desempenho da ONGD. Entretanto, as mudanças mais significativas aconteceram em decorrência da autoavaliação, que é o processo de avaliação que tinha como objetivo principal identificar o que precisava ser aprimorado. Isso mostra dois aspectos interessantes. Primeiro que a aprendizagem é um processo contínuo de reflexão crítica que está fortemente relacionada a disponibilidade de tempo dos colaboradores para refletir sobre os resultados de uma avaliação e precisa que estes tenham espaço para propor e testar melhorias. Segundo que como a autoavaliação é planejada já considerando esses aspectos, o desenvolvimento organizacional a partir desta é mais expressivo (as melhorais decorrentes das outras avaliações foram mais pontuais e orientadas para mudanças em procedimentos do projeto).
Portanto, objetivo pelo qual a avaliação é realizada direciona a aplicação dos seus resultados. Ainda que a possibilidade de desencadear processos de aprendizagem esteja sempre presente, uma avaliação para prestação de contas promoverá reflexões mais pontuais se o que for apreendido não for destinado também a reflexões mais densas capazes de promover mudanças organizacionais e melhorias nos serviços. Por isso, a importância do objetivo da avaliação incorporar também os aspectos envolvidos no processo de aprendizagem para permitir integrar as lições aprendidas.
Como as ONGD podem integrar a aprendizagem nos objetivos da avaliação?
A realidade da maioria das ONGD é marcada pela falta de recursos financeiros e de tempo dos colaboradores, que muitas vezes são poucos e já estão sobrecarregados de trabalho. Isso faz com que, embora reconhecendo os benefícios da avaliação, esta seja realizada apenas quando é uma exigência do financiador e, portanto, tem como objetivo principal prestar contas e atestar os resultados.
Então, de que forma as ONGD poderiam melhor aproveitar os resultados de uma avaliação? Pode ser necessário algum esforço inicial, mas uma estratégia interessante, e que permitiria otimizar recursos, é conseguir adicionar uma dimensão de aprendizagem nas avaliações que são realizadas para cumprir os requisitos dos doadores e comprovar os resultados de uma intervenção. Assim, a partir de uma avaliação para comprovar resultados e que já está prevista no projeto, o esforço adicional seria o exercício de reflexão para incorporar as lições aprendidas e definir novas estratégias para as próximas intervenções, até mesmo identificando possibilidades de inovação.
Se o processo de avaliar não ficar restrito ao objetivo de prestar contas, além de apontar o impacto do trabalho de uma organização, vai permitir reconhecer os pontos fortes e os aspectos que precisam ser melhorados. Esse seria um contributo significativo para maximização do impacto das ONGD, mas também exige uma mudança na postura dos doadores que precisam compreender a dinâmica dos processos de aprendizagem e inovação, o que inclui aceitar falhas e assumir riscos.