À conversa com o Pe. José Manuel Pereira de Almeida
Assistente eclesiástico da direção da Cáritas Portuguesa, professor de Teologia Moral da Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa e Vice Reitor da UCP. A Editorial Cáritas esteve à conversa com José Manuel Pereira de Almeida sobre a linha mestra deste espaço de atuação da Cáritas Portuguesa.
Editorial Cáritas: A Editorial Cáritas, no âmbito da sua identidade e missão, pretende contribuir para o desenvolvimento do “pensamento social cristão”, a partir, sobretudo, de uma Parceria criada entre a Cáritas Portuguesa e a Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa (UCP) e que abrange, de um modo especial, a área da Teologia Moral. Enquanto professor da UCP nesta área, qual a oportunidade desta Parceria para o desenvolvimento desse “pensamento”?
Pe. José Manuel Pereira de Almeida: «No se conformen con una teología de despacho», afirmava o Papa Francisco numa carta ao Cardeal de Buenos Aires, Mario Poli, por ocasião do centenário da Universidade Católica Argentina em março de 2015. Não nos conformamos com uma teologia de gabinete quando encontramos lugares de reflexão teológica que são habitados, que são lugares de vida. Lugares, por vezes, difíceis. Como a vida. Aceitando a complexidade do real. Situando-nos em lugares de fronteira. Continuava o Papa nessa carta: «Que el lugar de sus reflexiones sean las fronteras». Ora, a parceria entre a Cáritas e a Universidade Católica permite fazer, das fronteiras em que a Cáritas é chamada a agir, o lugar da nossa reflexão. Permite um diálogo mais próximo com aqueles que são os protagonistas do anúncio do Evangelho: os pobres. Dizia o bispo Don Tonino Bello, «Fazermo-nos últimos significa, sobretudo, conhecer os mecanismos perversos que geram sofrimento»; não tenho a certeza de que seja “sobretudo” (soprattutto), mas, de facto, a Teologia Moral, ao refletir sobre o bem, a bondade, a correção, a honestidade e a alegria de viver, não pode não aprofundar o conhecimento das causas da injustiça e das desigualdades. Para colaborar na construção de um mundo mais justo e mais fraterno.
Não nos conformamos com uma teologia de gabinete quando encontramos lugares de reflexão teológica que são habitados, que são lugares de vida. Lugares, por vezes, difíceis. Como a vida. Aceitando a complexidade do real. Situando-nos em lugares de fronteira. Continuava o Papa nessa carta: «Que el lugar de sus reflexiones sean las fronteras». Ora, a parceria entre a Cáritas e a Universidade Católica permite fazer, das fronteiras em que a Cáritas é chamada a agir, o lugar da nossa reflexão. Permite um diálogo mais próximo com aqueles que são os protagonistas do anúncio do Evangelho: os pobres.
Editorial Cáritas: Como orientador da linha editorial – “linha mestra”, na qual são incluídos os livros que servem de fundamento ao “pensamento social cristão”, como perspetiva o futuro dessa linha?
Pe. José Manuel Pereira de Almeida: Para dizer a verdade, quem orienta todas as linhas editoriais é o Eng. António Lage Raposo, a quem a Cáritas muito deve em visão estratégica, empenhamento e determinação. O que creio ser interessante na “linha mestra” é, por um lado, mostrar que o pensamento social cristão não nasceu ontem; e, por isso, dar a conhecer textos fundadores, autores imprescindíveis. Ainda que situados num tempo, como é próprio da dinâmica de uma fé incarnada. Por outro lado, afirmar que o pensamento social cristão continua vivo e ensaia novos caminhos de compreensão das realidades de hoje e da novidade que elas comportam. Para que não se deem respostas velhas a novas questões, como o Papa Francisco nos tem vindo a repetir. É, por isso, muito significativo que se possam continuar a incluir títulos atualíssimos, provindos da recente investigação académica, a par de obras fundamentais que são referência para todos.
Editorial Cáritas: Enquanto assistente eclesiástico da Direção da Cáritas Portuguesa, que desafios considera que podem surgir desse “pensamento social cristão” para a Cáritas e para a Igreja em Portugal?
Pe. José Manuel Pereira de Almeida: A rede Cáritas em Portugal (a Cáritas Portuguesa e as Cáritas Diocesanas), como as Comissões Justiça e Paz (a Comissão Nacional Justiça e Paz e as Comissões Diocesanas), têm tido a missão de refletir sobre a realidade interpretando-a à luz do Evangelho para discernir, como dizia o Papa Paulo VI no n.4 da Octogesima adveniens (1971), – «com a assistência do Espírito Santo, em comunhão com os bispos responsáveis e em diálogo com os outros irmãos cristãos e com todas as pessoas de boa vontade» – «as opções e os compromissos que convém tomar para se operarem as transformações sociais, políticas e económicas que se apresentam como necessárias e em não poucos casos urgentes». No início deste número, Paulo VI, referindo-se à diversidade de problemas existentes, afirma: «Perante situações, assim tão diversificadas, torna-se-nos difícil tanto o pronunciar uma palavra única, como o propor uma solução que tenha um valor universal. Mas, isso não é ambição nossa, nem mesmo a nossa missão. É às comunidades cristãs que cabe analisar, com objetividade, a situação própria do seu país e procurar iluminá-la, com a luz das palavras inalteráveis do Evangelho». Esta Carta Apostólica, escrita para comemorar o 80°. aniversário da encíclica Rerum novarum de Leão XIII (1891), já tem quase cinquenta anos. Ora, estamos muito atrasados! «É às comunidades cristãs que cabe analisar, com objetividade, a situação própria do seu país e procurar iluminá-la, com a luz das palavras inalteráveis do Evangelho»: por que esperamos?!
O que creio ser interessante na “linha mestra” é, por um lado, mostrar que o pensamento social cristão não nasceu ontem; e, por isso, dar a conhecer textos fundadores, autores imprescindíveis. Ainda que situados num tempo, como é próprio da dinâmica de uma fé incarnada. Por outro lado, afirmar que o pensamento social cristão continua vivo e ensaia novos caminhos de compreensão das realidades de hoje e da novidade que elas comportam. Para que não se deem respostas velhas a novas questões, como o Papa Francisco nos tem vindo a repetir.